Eu sou um jornalista. Para os jornalistas, as coisas precisam ser registradas, descritas, narradas, dispostas numa ordem compreensível, com um título que resuma o que está acontecendo. As pessoas precisam entender. Por enquanto, é impossível fazer tudo isso, pois a onda de protestos que ocorrem no Brasil ainda não tem nome. Por enquanto, ainda é impossível dizer se tudo isso é parte de algo maior. Não há, afinal, líderes oficiais ou um discurso que una a todos.
Há o povo. A parte bela do povo. E a parte feia também.
A parte feia quebra coisas. A democracia em si, meus caros, é um conceito belo. Não significa, necessariamente, que o povo está no poder, mas que o poder emana do povo. Democracia não é fazer o que você quer, nem deixar os outros fazerem o que eles quiserem. Defender uma ideia é uma coisa maravilhosa; quebrar bens públicos (e privados) é crime. Invariavelmente, alguém terá de pagar por esses danos – certamente o contribuinte, eu e você, e muito provavelmente aqueles que estão quebrando também. Democracia não é quebrar coisas. Não é queimar ônibus. Não é pichar muros. Democracia não é ir contra a polícia. As pessoas precisam saber que existe diferença entre uma coisa e outra.
Já a parte bela se une sob diversas bandeiras – ou nenhuma – e por diversas causas. Algumas, utópicas. A maioria delas, porém, legítima: menores taxas para o transporte público, menos corrupção, impostos empregados mais eficientemente, menos estádios e mais saúde, educação, segurança.
A imagem que fica, no fim das contas, é a de jovens nas ruas, aos milhares. Um flashback, alguns poderiam dizer. Até então, esse tipo de coisa era um tipo de mitologia advinda de uma época em que era proibido protestar, um tempo de nossos pais e avôs que inspirou uma leva de artistas melancólicos.
Quase três décadas depois, novos jovens saem às mesmas ruas. Contudo, nesse caos de máscaras de Guys Fawkes, hinos nacionais entoados em diversos ritmos e rostos pintados de verde e amarelo parece haver alguma lógica interna.
Lógica essa, diga-se de passagem, ainda incompreendida pelos próprios manifestantes. O que é muito natural. Afinal, essa foi provavelmente a primeira vez que a minha geração se levantou. Que o faça, então, com nada menos que absoluta responsabilidade.