“Poeticamente podia-se dizer que o Jornalismo é a vida, tal como é contada nas notícias de nascimentos e de mortes (...). É a vida em todas as suas dimensões, como uma enciclopédia.” Assim disse o acadêmico português Nelson Traquina em seu livro Teorias do Jornalismo.
Ora, se o jornalismo é a vida, o jornalista é o cara que conta todas essas histórias de nascimentos, mortes e tudo o que acontece no meio. Jornalistas são, portanto, contadores de histórias, e histórias são, em última análise, interpretações. Fazer jornalismo, dessa forma, é interpretar a realidade e transformá-la numa narrativa.
No Brasil, porém, sinto que o jornalismo abusa do declaracionismo, digamos assim. Parece-me que a maioria dos jornalistas brasileiros simplesmente joga seu texto entre duas aspas, citando o que alguém falou e tirando assim o peso de suas próprias costas, o que certamente diminui o risco de levar um processo – ou quem sabe uma porretada na nuca num beco escuro. Talvez por uma questão de autopreservação, muitos de nossos jornalistas se ocupam em responder as perguntas do lead (o quê, quem, quando, onde, como e por quê?) e, passado o primeiro parágrafo, tudo o que resta são blocos de citações, e isso é tudo.
Como se não bastasse, penso também que muitos dos nossos jornalistas preocupam-se demais em manter em seus textos uma linguagem sóbria e séria que diz: “Olhe para mim, eu sou um cara culto, ok? Eu escrevo enquanto bebo whisky e afago o meu cavanhaque grisalho”, ou então – numa versão mais esquerdista – “Eu já li O Capital três vezes só este ano, nunca comi um Big Mac e só ouço música popular brasileira, de preferência escrita por alguém que foi exilado durante a ditadura”. Ok, estamos nos desviando da questão. O fato é que, comparativamente, sinto falta de criatividade em nosso jornalismo.
Lendo o New York Times, por sua vez, sinto que lá o jornalista tem mais autonomia para reportar o que ele presenciou – e não apenas o que alguém disse. Além disso, parece que há mais espaço para que o autor salpique no texto o seu estilo literário, o que torna a narrativa mais densa e indiscutivelmente mais saborosa. Enquanto aqui as fontes soam muitas vezes mecânicas, no jornalismo ao qual o New York Times aparentemente se propõe, elas soam mais humanas, como personagens de um livro cuja trama é escrita diariamente. E jornalismo não é isso?
Aqui vai um exemplo: No dia 15 de setembro, o New York Times publicou uma reportagem sobre a queda da influência política do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, e a ascensão da Liga Norte (o partido político oposto). O texto, assinado por Rachel Donadio, foi intitulado A New Power Broker Rises in Italy (numa tradução livre Uma nova influência política cresce na Itália). Segue um trecho da reportagem em questão:
“All of which has empowered one man in particular: Umberto Bossi, leader of the Northern League, who is known for extra salty language, wearing tank tops and continuing to smoke cigars even though a stroke took away a good part of his voice.”
Traduzindo:
“Tudo isso fortaleceu um homem em particular: Umberto Bossi, líder da Liga do Norte, que é conhecido pelo seu palavreado pungente, por vestir camisetas regatas e continuar a fumar charutos ainda que um derrame tenha tirado boa parte de sua voz.”
Palavreado pungente, camisetas regatas e charutos. Está aí uma descrição que, no Brasil, seria encontrada mais nos romances do que nos jornais. É dessa irreverência que eu estou falando. Mesmo que não haja uma foto, você é capaz de enxergar o personagem em suas idiossincrasias caricatas.
É difícil dizer se um jornalismo é pior ou melhor do que o outro – apesar de eu ter, é claro, uma opinião pessoal. Ouso dizer, contudo, que muitos dos profissionais que fazem o nosso jornalismo orgulham-se em defender a bandeira da tão sonhada “objetividade”. A criatividade começa a morrer aí. Será que ser objetivo é apenas copiar num caderninho – ou num smartphone, que seja – o que o entrevistado disse e reproduzir entre aspas nas páginas de um jornal? Se é isso que nós estamos fazendo, meu amigo, então nós não passamos de gravadores que sabem datilografar.
Sinto que no jornalismo brasileiro falta espaço para o feeling do repórter, aquele olhar poético e sagaz que vai passar para o leitor não só meia dúzia de palavras entre duas aspas, mas fazer com que o cara de fato imagine uma cena, quase como faz um escritor. Na minha modesta opinião, vale a pena pensar sobre isso. (G.P.)
10º parágrafo (se eu não me engano): "É difícil dizer se um jornalismo é pior ou melhor do que o outro – apesar de eu ter, é claro, uma opinião pessoal. Ouso dizer [...]" Ouso? rs Ouço, não?!
ResponderExcluirOuso é uma conjugação do verbo ousar, que tem o mesmo significado que atrever-se. Se você preferir, substitua "ouso dizer" por "atrevo-me a dizer". Você se enganou, senhor anônimo.
ResponderExcluirAnônimo ali em cima pagando de inteligente se fodeu hihihihi
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