Ao contemplar a multiplicidade de formas de vida
existentes no planeta Terra, é impossível não reparar no grau de adaptabilidade
que algumas espécies demonstram em relação ao ambiente em que vivem. Você olha
para mariposas cujas asas exibem padrões semelhantes a olhos de pássaros,
perfeitas para espantar predadores; depois para insetos e outros animais cujo
grau de mimetismo é tão alto que se torna impossível diferenciá-los de detalhes
da paisagem, como lagartas e besouros com apêndices em formatos de folhas, por
exemplo. Há também os morcegos, que possuem um refinado sistema de sonar para
se orientar por ecolocalização durante o voo, e animais bioluminescentes que
habitam os abismos do oceano, e por aí vai. A lista é tão extensa que chega um
momento em que flertar com a ideia de um design inteligente para a vida na
Terra parece tentadora, quase lógica. Afinal, como cada uma dessas
especificidades poderia surgir espontaneamente se não houvesse alguém ou alguma
coisa guiando o processo? É esta, basicamente, a ideia básica do Criacionismo:
quem ou o quê, senão uma inteligência superior, poderia ter criado tudo isso?
Para responder a essa pergunta, o naturalista inglês Charles
Darwin propôs uma alternativa um tanto mais incômoda. O que ele disse foi que
indivíduos, animais ou vegetais, sofrem mutações genéticas aleatórias – e note
que aleatoriedade é a palavra-chave
aqui. Uma vez que são aleatórias, essas mutações espontâneas podem ser benéficas
ou maléficas. Algumas delas, por sorte, tornam os indivíduos mais adaptados ao
ambiente e aqueles que estão mais adaptados têm mais propensão a sobreviver,
passando as mutações para as próximas gerações. Os indivíduos que sofrem
mutações prejudiciais, inúteis ou simplesmente menos úteis tendem a perecer e não as passam
adiante. Para ilustrar esse conceito, vamos imaginar uma espécie de pássaro que
tivesse um bico curto e, gradativamente, ao longo das gerações, tenha ganhado
um bico comprido, que lhe possibilitou começar a comer larvas escondidas em
buracos pequenos em troncos de árvores. Num ambiente em que houvesse larvas em
excesso em todos os lugares, essa não seria uma adaptação essencial. Assim,
nesse ambiente, poderia haver diversos tipos de pássaros com diversos formatos
de bicos. Mas digamos que o ambiente tenha mudado e, de repente, as larvas se
tornaram escassas, à exceção daquelas escondidas nos troncos. Nesse caso, os
pássaros de bicos curtos morreriam e aqueles de bicos compridos sobreviveriam
em maior quantidade. Uma vez que o ambiente seleciona os pássaros de bico
comprido, esses formatos de bicos tendem a aumentar e os bicos pequenos
desaparecem.
Ao analisarmos, hipoteticamente, os registros fósseis
dessa espécie de pássaro do exemplo anterior, poderia dar a impressão de que os
bicos foram aumentando propositalmente ao longo do tempo, mas devemos nos
lembrar sempre de que as mutações, para a teoria Darwinista, são aleatórias –
ou seja, mutações de pássaros com bicos pequenos provavelmente continuaram a
acontecer ocasionalmente, mas esses indivíduos não estavam aptos a sobreviver
num ambiente que privilegiava os bicos grandes. Podemos voltar agora aos
exemplos iniciais que abriram este artigo: a mariposa com imagens de olhos de
coruja nas asas e os insetos com apêndices em formatos de folhas. Nesses casos,
é plausível supor que, devido a mutações, surgiram no processo evolutivo desses
animais diversos tipos de desenhos nas asas e diversos formatos de apêndices
diferentes; alguns poderiam ser coloridos, chamando a atenção de predadores, e
outros poderiam até mesmo fazer mal aos próprios indivíduos. Eis então que, por
acaso e nada mais, surgiu um desenho que – por coincidência – era semelhante
aos olhos de uma coruja, ou então um apêndice que – também por coincidência –
era semelhante a uma folha. Esse indivíduos, estando mais aptos a afastar
predadores ou a se esconder no ambiente em que viviam, tenderam a sobreviver e
passar adiante seus genes. Ao analisarmos o desenho dos olhos de uma coruja nas
asas de uma mariposa, pode-se ter a impressão de que a evolução das espécies é
um processo lógico e inteligente (como se a mariposa quisesse ter evoluído para espantar os predadores), mas, para
Darwin, ele não é. Trata-se de um processo aleatório, gerado por probabilidades
matemáticas. Para cada sucesso, houve milhões de falhas; para cada mariposa com
padrões úteis nas asas, houve milhões de mariposas com padrões inúteis. O que
vai determinar o que é sucesso e o que é falha é a seleção natural.
Outro ponto importante nesses exemplos anteriores é o
fato de esses indivíduos não terem feito nada para ganhar essas adaptações. Na
verdade – e é por isso, também, que o Darwinismo incomoda –, eles simplesmente
tiveram sorte. A ação individual simplesmente não importa para a evolução hereditária, a não ser que elas
tenham capacidade de alterar a configuração dos genes de um indivíduo. Assim,
os animais não estão se especializando,
eles estão apenas mais especializados.
A diferença das duas concepções é que não há uma ação intencionalmente
progressiva na segunda. Essas mutações acontecem por acaso. Apenas por acaso! A especialização de
uma espécie não é um processo dirigido (nem por uma força divina e nem pela
própria ação individual), mas uma questão de sorte, uma loteria genética. Um
homem que vá todos os dias à academia, por exemplo, poderá se tornar musculoso,
mas ele não passará essa característica adiante, pois não houve alterações
genéticas.
Para ilustrar o conceito do parágrafo anterior, há o
clássico exemplo da girafa: por que as girafas têm pescoço comprido? Procurando
formular uma explicação, o naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck, anterior
a Darwin, argumentou que em algum momento no passado evolutivo, uma girafa de
pescoço curto esticou o pescoço para alcançar uma folha mais alta. Ao utilizar
mais o pescoço, essa girafa hipotética fez com que seu descendente direto
nascesse com o pescoço um pouquinho mais longo e esse descendente, ao esticar o
pescoço novamente, deu origem a uma reação em cadeia que, gerações depois, fez
com que a girafa tivesse um pescoço longo. Essa é a hipótese do uso e desuso da
teoria de Lamarck (refutada pela genética), que considerava como fator motivador da evolução a ação
individual. Para os
criacionistas, a explicação é simples: uma força divina fez a girafa com o
pescoço comprido, e ponto final. A explicação de Darwin para o mesmo fenômeno,
por sua vez, provavelmente seria baseada num cenário em que houvesse várias
girafas com diversos comprimentos de pescoço. Por um tempo, isso não teria
importado, até que as folhas rasteiras começassem a faltar e apenas as girafas
de pescoço comprido conseguissem se alimentar. Assim, os pescoços curtos
sumiriam, não porque as girafas os esticaram propositalmente, mas porque um
outro indivíduo que – por sorte – nasceu com o pescoço comprido sobreviveu e
transmitiu a seus descendentes o gene específico. Num longo prazo, ao
observarmos os registros fósseis de diversos tipos de girafas com diferentes
tamanhos de pescoço, veremos que houve uma evolução de um pescoço menor a um
pescoço maior, e colocando uma ao lado da outra, numa linearidade progressiva,
nós perceberemos uma evolução, mas sem considerar as inúmeras girafas de
pescoços curtos e médios que surgiram e morreram no caminho. Só os vencedores
fazem a História.
Sintetizando a teoria Darwinista, portanto, temos num
primeiro momento a mutação (uma mudança genética aleatória), depois a seleção
natural (processo pelo qual as espécies melhor adaptadas em relação ao ambiente
sobrevivem enquanto outras morrem) e só no final pode ser constatada a
evolução, quando são descartados os ramos de descendentes inaptos. Na perspectiva
Darwinista, a evolução é uma constatação tardia, apesar de estar sempre acontecendo, sem parar. Por não
compreenderem esse conceito, alguns críticos a Darwin lançam a pergunta “Se a
evolução está constantemente acontecendo, por que nós não a vemos em tempo
real?” Esse é um engano comum, pois estamos acostumados a pensar na evolução
como um acerto constante, como aquela velha imagem de um primata andando sobre
quatro patas, depois erguendo-se gradualmente para andar sobre duas pernas e se
transformar no homem, mas aquela não é a família toda. Na árvore genealógica
humana, há outras espécies de hominídeos que não estão representadas na imagem,
que se perderam ao longo das eras. O fato é que podemos, sim, ver as mutações
aleatórias que surgem em alguns indivíduos, mas é o ambiente que vai determinar
ao longo do tempo quais dessas mutações serão úteis. À linha que une cada uma
dessa série de mutações úteis nós damos o nome de evolução, mas essa é uma
análise que precisamos fazer com uma perspectiva temporal. Nós podemos ver o
processo de evolução acontecendo através de cada mutação isolada, mas ele não
está completo sem a seleção natural de um ambiente e a evolução em si só pode
ser constatada por uma análise ampla num grande período de tempo.
Na primeira imagem, vê-se apenas a evolução em si, ou seja,
o trajeto das espécies mais aptas. Na segunda, vê-se as mutações
menos aptas, que desapareceram no meio do caminho.
Os fósseis são registros que nos fornecem essa
perspectiva de tempo. Apesar de não termos acesso a todas as variações de
fósseis de uma espécie, uma vez que são necessárias condições muito específicas
para que um fóssil seja conservado, é possível encadeá-los numa linha do tempo
e, em alguns casos, é possível até mesmo ligar à árvore genealógica os ramos de
uma espécie que sofreram alguma mutação, chegaram até um determinado ponto em
que foram selecionados pelo ambiente e, a partir dali, pereceram. O próprio
homem, por exemplo, ao evoluir do Homo
heidelbergensis, gerou duas variações: o Homo neanderthalensis (o homem de Neandertal) e o Homo sapiens (quem nós somos hoje).
Essas duas espécies coexistiram durante milênios, até que nós prosperamos e o
homem de Neandertal desapareceu. Por que uma das espécies humanas desapareceu e
a outra sobreviveu? Não se sabe, mas, por algum motivo, nós estávamos mais
aptos como espécie. Poderíamos não ser necessariamente mais fortes, mas
tínhamos alguma vantagem; num
determinado ambiente, éramos mais especializados. Um dia, podemos não ser e,
então, morreremos como as milhões de outras espécies que já morreram no passado.
Se aconteceu com eles, pode acontecer conosco.
Por que, então, Darwin incomoda tanto? Primeiro
porque, ao estabelecer a árvore genealógica da espécie humana, ele nos coloca
no mesmo patamar que outras espécies. Tudo o que nos separa de outros animais
é uma linha num diagrama. Nada mais. Enquanto o pensamento religioso diz que o homem está no centro da criação, criado à imagem e semelhança de Deus, o Darwinismo nos
coloca em posição de igualdade a outras espécies, o que é o mesmo que dizer que
não somos especiais. Não parece uma ideia confortável. E mais: atribuindo isso
à aleatoriedade, Darwin faz com que o homem se sinta desamparado. Afinal, a
lógica é clara: se a evolução é um processo aleatório, não deve haver ninguém
nem nada (lê-se Deus) cuidando da criação ou dirigindo o processo; as mutações
simplesmente acontecem e, dadas as características do ambiente em que as
espécies estão inseridas, prosperam os mais aptos. Ninguém está guiando nosso
caminho como espécie, diz o pensamento Darwinista, nós estamos sozinhos. Mesmo
que ainda hoje ninguém seja capaz de negar a teoria Darwinista, quem é que gosta de se sentir assim tão só, no fim das contas? (G.P.)