domingo, 25 de abril de 2010

Crítica: Alice no País das Maravilhas

Se você não assistiu ao filme, esta crítica pode conter spoilers.



Lançado no Brasil quase dois meses depois de sua première, o filme Alice no País das Maravilhas, da Disney, é aquela história que todos conhecem: a garota cai no buraco do coelho e encontra um mundo completamente insano do outro lado. Parecia, portanto, um material compatível à insanidade genial do diretor Tim Burton.

Balloon Boy, um dos personagens excêntricos criados
pelo diretor Tim Burton, em exposição no MoMA
(Museum of Modern Art of New York)

Antes de qualquer coisa, Alice no País das Maravilhas trata da busca pela identidade, que é um tema recorrente nessa e em outras obras de Burton; a maiorias de seus personagens têm um quê de desajustados nos mundos em que vivem, seja o garoto com mãos de tesoura (Edward Scissorhands, 1990) ou o esqueleto que quer recriar o Natal (Nightmare before Christmas, 1993).

Porém, neste filme em particular, o conceito que mais chama a atenção é a busca por uma identidade em meio à hipocrisia da sociedade, e eu não estou falando apenas sobre Alice (interpretada por Mia Wasikowska). A cena em que o Chapeleiro Maluco (Johny Depp) desmascara a corte da Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter), formada por impostores que encenam deformidades para fazer a cabeçorra da tirana parecer menos absurda, é uma afronta à hipocrisia. Todavia, a ironia é que a Rainha Branca (Anne Hathaway), ainda que admirada por todos, não é menos hipócrita. Ela passa boa parte das cenas em que aparece desfilando com os modismos de uma princesa e alardeando que não matará uma criatura sequer por ser uma atitude que vai contra seus princípios. Passar a tarefa a outra pessoa, porém, parece ser completamente aceitável para ela, uma vez que Alice é incumbida de matar o dragão. Ou seja, hipocrisia e demagogia. Isso faz a Rainha Branca mais humana do que os personagens supostamente insanos, como a Rainha Vermelha ou a Lebre de Março, mas, ao mesmo tempo, menos digna de apreço. O fato de ela ser assim representada pelo diretor talvez seja uma mensagem velada que Burton e a roteirista Linda Woolverton (surpreendentemente, a mesma de O Rei Leão e A Bela e a Fera) nos quiseram passar.

Alice, por sua vez, também é uma hipócrita que chega ao “País das Maravilhas” dizendo que “não mata”, mas acaba matando o dragão no final após ser manipulada pela Rainha Branca. Como recompensa, ela ganha o sangue da criatura que abateu, o que ao meu ver é uma metáfora muito clara da mancha que perdura sobre o algoz de qualquer ser vivente. A partir daquele momento, ela tem nas mãos o sangue de quem matou.

O Chapeleiro, por sua vez, é o único personagem que se mantém crível em sua loucura. Assim como o Gato Risonho (voz de Stephen Fry), é um dos poucos personagens que não se mostra hipócrita. Também é o único personagem com o qual realmente nos importamos como plateia. A cena em que ele pergunta a Alice se ele é real ou não, por exemplo, nos diz muito sobre sua personalidade e sobre a própria condição humana (assunto sobre o qual eu comentei em outro post): afinal o que é ser “de verdade”?

No caso de Alice, supõe-se que é no mundo surreal que ela vai encontrar sua identidade. Eu, particularmente, não acredito que seja isso o que acontece. Assim como a Wendy de Peter Pan, ela não pode viver sua fantasia para sempre. Em seu mundo imaginário, ela continuaria sendo uma deslocada. Porém, ao voltar ao mundo real e dizer as verdades cruéis que todos não gostariam de ouvir, ela torna-se sócia do ex-sócio de seu falecido pai e ambiciona expandir os negócios ao Oriente. Na época em que a história se passa, Hong Kong ainda está sob o comando da Inglaterra e a China apresenta-se como um novo mundo a ser explorado. Mais do que isso: é um mundo que está ao alcance de Alice. (G.P.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário