quinta-feira, 14 de março de 2013

Por que Darwin incomoda tanto?


Ao contemplar a multiplicidade de formas de vida existentes no planeta Terra, é impossível não reparar no grau de adaptabilidade que algumas espécies demonstram em relação ao ambiente em que vivem. Você olha para mariposas cujas asas exibem padrões semelhantes a olhos de pássaros, perfeitas para espantar predadores; depois para insetos e outros animais cujo grau de mimetismo é tão alto que se torna impossível diferenciá-los de detalhes da paisagem, como lagartas e besouros com apêndices em formatos de folhas, por exemplo. Há também os morcegos, que possuem um refinado sistema de sonar para se orientar por ecolocalização durante o voo, e animais bioluminescentes que habitam os abismos do oceano, e por aí vai. A lista é tão extensa que chega um momento em que flertar com a ideia de um design inteligente para a vida na Terra parece tentadora, quase lógica. Afinal, como cada uma dessas especificidades poderia surgir espontaneamente se não houvesse alguém ou alguma coisa guiando o processo? É esta, basicamente, a ideia básica do Criacionismo: quem ou o quê, senão uma inteligência superior, poderia ter criado tudo isso?

Para responder a essa pergunta, o naturalista inglês Charles Darwin propôs uma alternativa um tanto mais incômoda. O que ele disse foi que indivíduos, animais ou vegetais, sofrem mutações genéticas aleatórias – e note que aleatoriedade é a palavra-chave aqui. Uma vez que são aleatórias, essas mutações espontâneas podem ser benéficas ou maléficas. Algumas delas, por sorte, tornam os indivíduos mais adaptados ao ambiente e aqueles que estão mais adaptados têm mais propensão a sobreviver, passando as mutações para as próximas gerações. Os indivíduos que sofrem mutações prejudiciais, inúteis ou simplesmente menos úteis tendem a perecer e não as passam adiante. Para ilustrar esse conceito, vamos imaginar uma espécie de pássaro que tivesse um bico curto e, gradativamente, ao longo das gerações, tenha ganhado um bico comprido, que lhe possibilitou começar a comer larvas escondidas em buracos pequenos em troncos de árvores. Num ambiente em que houvesse larvas em excesso em todos os lugares, essa não seria uma adaptação essencial. Assim, nesse ambiente, poderia haver diversos tipos de pássaros com diversos formatos de bicos. Mas digamos que o ambiente tenha mudado e, de repente, as larvas se tornaram escassas, à exceção daquelas escondidas nos troncos. Nesse caso, os pássaros de bicos curtos morreriam e aqueles de bicos compridos sobreviveriam em maior quantidade. Uma vez que o ambiente seleciona os pássaros de bico comprido, esses formatos de bicos tendem a aumentar e os bicos pequenos desaparecem.

Ao analisarmos, hipoteticamente, os registros fósseis dessa espécie de pássaro do exemplo anterior, poderia dar a impressão de que os bicos foram aumentando propositalmente ao longo do tempo, mas devemos nos lembrar sempre de que as mutações, para a teoria Darwinista, são aleatórias – ou seja, mutações de pássaros com bicos pequenos provavelmente continuaram a acontecer ocasionalmente, mas esses indivíduos não estavam aptos a sobreviver num ambiente que privilegiava os bicos grandes. Podemos voltar agora aos exemplos iniciais que abriram este artigo: a mariposa com imagens de olhos de coruja nas asas e os insetos com apêndices em formatos de folhas. Nesses casos, é plausível supor que, devido a mutações, surgiram no processo evolutivo desses animais diversos tipos de desenhos nas asas e diversos formatos de apêndices diferentes; alguns poderiam ser coloridos, chamando a atenção de predadores, e outros poderiam até mesmo fazer mal aos próprios indivíduos. Eis então que, por acaso e nada mais, surgiu um desenho que – por coincidência – era semelhante aos olhos de uma coruja, ou então um apêndice que – também por coincidência – era semelhante a uma folha. Esse indivíduos, estando mais aptos a afastar predadores ou a se esconder no ambiente em que viviam, tenderam a sobreviver e passar adiante seus genes. Ao analisarmos o desenho dos olhos de uma coruja nas asas de uma mariposa, pode-se ter a impressão de que a evolução das espécies é um processo lógico e inteligente (como se a mariposa quisesse ter evoluído para espantar os predadores), mas, para Darwin, ele não é. Trata-se de um processo aleatório, gerado por probabilidades matemáticas. Para cada sucesso, houve milhões de falhas; para cada mariposa com padrões úteis nas asas, houve milhões de mariposas com padrões inúteis. O que vai determinar o que é sucesso e o que é falha é a seleção natural.

Outro ponto importante nesses exemplos anteriores é o fato de esses indivíduos não terem feito nada para ganhar essas adaptações. Na verdade – e é por isso, também, que o Darwinismo incomoda –, eles simplesmente tiveram sorte. A ação individual simplesmente não importa para a evolução hereditária, a não ser que elas tenham capacidade de alterar a configuração dos genes de um indivíduo. Assim, os animais não estão se especializando, eles estão apenas mais especializados. A diferença das duas concepções é que não há uma ação intencionalmente progressiva na segunda. Essas mutações acontecem por acaso. Apenas por acaso! A especialização de uma espécie não é um processo dirigido (nem por uma força divina e nem pela própria ação individual), mas uma questão de sorte, uma loteria genética. Um homem que vá todos os dias à academia, por exemplo, poderá se tornar musculoso, mas ele não passará essa característica adiante, pois não houve alterações genéticas.

Para ilustrar o conceito do parágrafo anterior, há o clássico exemplo da girafa: por que as girafas têm pescoço comprido? Procurando formular uma explicação, o naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck, anterior a Darwin, argumentou que em algum momento no passado evolutivo, uma girafa de pescoço curto esticou o pescoço para alcançar uma folha mais alta. Ao utilizar mais o pescoço, essa girafa hipotética fez com que seu descendente direto nascesse com o pescoço um pouquinho mais longo e esse descendente, ao esticar o pescoço novamente, deu origem a uma reação em cadeia que, gerações depois, fez com que a girafa tivesse um pescoço longo. Essa é a hipótese do uso e desuso da teoria de Lamarck (refutada pela genética), que considerava como fator motivador da evolução a ação individual. Para os criacionistas, a explicação é simples: uma força divina fez a girafa com o pescoço comprido, e ponto final. A explicação de Darwin para o mesmo fenômeno, por sua vez, provavelmente seria baseada num cenário em que houvesse várias girafas com diversos comprimentos de pescoço. Por um tempo, isso não teria importado, até que as folhas rasteiras começassem a faltar e apenas as girafas de pescoço comprido conseguissem se alimentar. Assim, os pescoços curtos sumiriam, não porque as girafas os esticaram propositalmente, mas porque um outro indivíduo que – por sorte – nasceu com o pescoço comprido sobreviveu e transmitiu a seus descendentes o gene específico. Num longo prazo, ao observarmos os registros fósseis de diversos tipos de girafas com diferentes tamanhos de pescoço, veremos que houve uma evolução de um pescoço menor a um pescoço maior, e colocando uma ao lado da outra, numa linearidade progressiva, nós perceberemos uma evolução, mas sem considerar as inúmeras girafas de pescoços curtos e médios que surgiram e morreram no caminho. Só os vencedores fazem a História.


Sintetizando a teoria Darwinista, portanto, temos num primeiro momento a mutação (uma mudança genética aleatória), depois a seleção natural (processo pelo qual as espécies melhor adaptadas em relação ao ambiente sobrevivem enquanto outras morrem) e só no final pode ser constatada a evolução, quando são descartados os ramos de descendentes inaptos. Na perspectiva Darwinista, a evolução é uma constatação tardia, apesar de estar sempre acontecendo, sem parar. Por não compreenderem esse conceito, alguns críticos a Darwin lançam a pergunta “Se a evolução está constantemente acontecendo, por que nós não a vemos em tempo real?” Esse é um engano comum, pois estamos acostumados a pensar na evolução como um acerto constante, como aquela velha imagem de um primata andando sobre quatro patas, depois erguendo-se gradualmente para andar sobre duas pernas e se transformar no homem, mas aquela não é a família toda. Na árvore genealógica humana, há outras espécies de hominídeos que não estão representadas na imagem, que se perderam ao longo das eras. O fato é que podemos, sim, ver as mutações aleatórias que surgem em alguns indivíduos, mas é o ambiente que vai determinar ao longo do tempo quais dessas mutações serão úteis. À linha que une cada uma dessa série de mutações úteis nós damos o nome de evolução, mas essa é uma análise que precisamos fazer com uma perspectiva temporal. Nós podemos ver o processo de evolução acontecendo através de cada mutação isolada, mas ele não está completo sem a seleção natural de um ambiente e a evolução em si só pode ser constatada por uma análise ampla num grande período de tempo.

 
Na primeira imagem, vê-se apenas a evolução em si, ou seja,
o trajeto das espécies mais aptasNa segunda, vê-se as mutações
menos aptas, que desapareceram no meio do caminho.


Os fósseis são registros que nos fornecem essa perspectiva de tempo. Apesar de não termos acesso a todas as variações de fósseis de uma espécie, uma vez que são necessárias condições muito específicas para que um fóssil seja conservado, é possível encadeá-los numa linha do tempo e, em alguns casos, é possível até mesmo ligar à árvore genealógica os ramos de uma espécie que sofreram alguma mutação, chegaram até um determinado ponto em que foram selecionados pelo ambiente e, a partir dali, pereceram. O próprio homem, por exemplo, ao evoluir do Homo heidelbergensis, gerou duas variações: o Homo neanderthalensis (o homem de Neandertal) e o Homo sapiens (quem nós somos hoje). Essas duas espécies coexistiram durante milênios, até que nós prosperamos e o homem de Neandertal desapareceu. Por que uma das espécies humanas desapareceu e a outra sobreviveu? Não se sabe, mas, por algum motivo, nós estávamos mais aptos como espécie. Poderíamos não ser necessariamente mais fortes, mas tínhamos alguma vantagem; num determinado ambiente, éramos mais especializados. Um dia, podemos não ser e, então, morreremos como as milhões de outras espécies que já morreram no passado. Se aconteceu com eles, pode acontecer conosco.

Por que, então, Darwin incomoda tanto? Primeiro porque, ao estabelecer a árvore genealógica da espécie humana, ele nos coloca no mesmo patamar que outras espécies. Tudo o que nos separa de outros animais é uma linha num diagrama. Nada mais. Enquanto o pensamento religioso diz que o homem está no centro da criação, criado à imagem e semelhança de Deus, o Darwinismo nos coloca em posição de igualdade a outras espécies, o que é o mesmo que dizer que não somos especiais. Não parece uma ideia confortável. E mais: atribuindo isso à aleatoriedade, Darwin faz com que o homem se sinta desamparado. Afinal, a lógica é clara: se a evolução é um processo aleatório, não deve haver ninguém nem nada (lê-se Deus) cuidando da criação ou dirigindo o processo; as mutações simplesmente acontecem e, dadas as características do ambiente em que as espécies estão inseridas, prosperam os mais aptos. Ninguém está guiando nosso caminho como espécie, diz o pensamento Darwinista, nós estamos sozinhos. Mesmo que ainda hoje ninguém seja capaz de negar a teoria Darwinista, quem é que gosta de se sentir assim tão só, no fim das contas? (G.P.)