quinta-feira, 11 de março de 2010

Sobre hibridismo e cultura

O mundo já não é tão grande como costumava ser. Fato. Como escreveu Conrad Phillip Kottak, autor de Cultural Anthropology, “no século XV, a Europa estabeleceu contato regular com a Ásia, a África e eventualmente com o Novo Mundo (o Caribe e as Américas). A primeira viagem de Cristóvão Colombo da Espanha às Bahamas foi seguida por viagens adicionais. Essas jornadas abriram caminho para um maior intercâmbio de pessoas, recursos, doenças e ideias conforme o Antigo e o Novo Mundo uniam-se para sempre.” Com a posterior globalização, as pessoas passaram a se encontrar muito mais facilmente. Um voo do Brasil à China, por exemplo, leva cerca de 24 horas. E com isso, é claro, estamos contando apenas a facilidade da interação física. Através da internet, a comunicação é instantânea, o que faz com que o hibridismo cultural se torne muito mais fácil.

De acordo com o dicionário online Michaelis, híbrido é o “indivíduo que resulta do cruzamento de dois genitores de espécies, raças ou variedades diferentes.” Quando se cruza um leão com um tigre, por exemplo, cria-se um indivíduo híbrido chamado liger ou tigon (lion + tiger). Quando se cruza uma cultura com outra, cria-se algo como o exemplo abaixo, e a possibilidade de diversidade cresce exponencialmente.

San Francisco, nos Estados Unidos, tem a maior China Town fora da Ásia. Assim como São Paulo é o lugar mais japonês fora do Japão, San Francisco é o lugar mais chinês fora da China. Lá, pode-se observar exemplos de miscigenação cultural como este: uma cruz cristã no topo de um edifício de arquitetura tradicionalmente oriental.

Assim, num mundo fecundo à hibridização de culturas, outros exemplos vão surgindo:

A canção Sweet Lullaby, tradicionalmente uma manifestação étnica das Ilhas Salomão, foi gravada por um pesquisador na década de 70 e posteriormente utilizada pelo grupo musical francês chamado Deep Forest, que especializou-se num tipo de world music que consiste na mixagem de canções étnicas com música eletrônica. A canção provocou certa polêmica devido à questão dos direitos autorais, mas é um exemplo emblemático de hibridismo cultural.


A canção di yi bai ling yi ge da na (第一百零一个答案), da cantora chinesa Jiang Mei Qi (江美琪) tem clara influência do tango argentino. É algo sobre o que não poderia se pensar alguns séculos atrás.

E cultura híbrida é um termo que tem muita relação com o Brasil. Afinal, o que é a identidade brasileira senão uma total hibridização cultural?

Neste ponto, vale citar um exemplo pessoal. Durante a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, eu estava estudando nos Estados Unidos. Ao encontrar-me diariamente com estudantes do mundo todo, percebia vez ou outra uma certa segregação natural. No refeitório, por exemplo, havia a mesa dos chineses, a mesa dos europeus, a mesa dos latinos, e por aí vai. Nós, brasileiros, por outro lado, estávamos cada dia em uma das mesas, transitando por todo o mapa-múndi sem muita dificuldade.

Sobre isso, nosso presidente discursou ao Comitê Olímpico. O presidente Lula já deu algumas escorregadas em seus discursos várias vezes, é verdade, mas devo dizer que ele se saiu muito bem desta vez. “Olhando para os cinco aros do círculo olímpico, vejo neles o meu país, um Brasil de homens e mulheres de todos os continentes. Americanos, europeus, africanos, asiáticos, todos orgulhosos de suas origens e mais orgulhosos de se sentirem brasileiros”, disse ele, e acrescentou: “Não só somos um povo misturado, mas um povo que gosta muito de ser misturado. É o que faz nossa identidade.”


E por quê? O que nós temos de diferente?

Como escreveu Darcy Ribeiro no livro O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil, o contingente imigratório brasileiro foi “composto, principalmente, por 1,7 milhão de imigrantes portugueses, que se vieram juntar aos povoadores dos primeiros séculos, tornados dominantes pela multiplicação operada através do caldeamento com índios e negros. Seguem-se os italianos, com 1,6 milhão; os espanhóis, com 700 mil; os alemães, com mais de 250 mil; os japoneses, com cerca de 230 mil e outros contingentes menores...” Em outras palavras, veio gente de todos os cantos. E mais gente continua vindo, enquanto nós continuamos indo.

O mundo já não é tão grande como costumava ser. Fato. (G.P.)

2 comentários:

  1. E eu acrescento: Os países estão perdendo sua originalidade. (O Brasil não conta, não saberia dizer se ele não tem nenhuma originalidade ou tem demais).

    Muita miscigenação.
    E dentre eles, muito americanismo.

    Um pensamento solto:
    Quem sabe quando a China for potência mundial, como se está previsto,
    pessoas perdem a vontade de comer McDonald's e vão praticar artes marciais?

    Ou então...
    Voltaremos a viver em uma grande Pangeia redonda separada por águas?
    Acredito que não.

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    1. Isso o tempo dirá. A globalização é um fato e que precisamos, em primeira instância, aceitar e inferir que experimentar outras cultura é algo positivo, bem como inevitável.

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