sábado, 18 de dezembro de 2010

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Sobre As Crônicas de Nárnia: A viagem do Peregrino da Alvorada

Baseado no livro homônimo, o filme As Crônicas de Nárnia: A viagem do Peregrino da Alvorada (The Chronicles of Narnia: Voyage of the Dawn Treader, 2010) é um retorno ao mundo mágico criado pelo autor inglês Clive Staples Lewis. No longa, os irmãos Edmundo (Skandar Keynes) e Lúcia (Georgie Henley) voltam ao reino de Nárnia por meio de uma pintura pregada na parede da casa de seu primo Eustáquio (Will Poulter). Depois de caírem num oceano revolto, as crianças embarcam no navio que dá título à estória, o qual está levando o atual rei de Nárnia, o jovem Caspian (Ben Barnes), a uma jornada em busca de sete lordes exilados de seu reino.



Adornada com belíssimos efeitos 3D, a fotografia de Dante Spinotti é um dos pontos altos deste filme. Sobre o roteiro, contudo, não se pode dizer a mesma coisa. O tropeço na adaptação aconteceu quando se quis transformar a estória num épico, o que se mostra um erro, pois o material original, o livro de Lewis, não é um épico. É uma crônica. É por isso que o título é As Crônicas de Nárnia. Crônicas. Não épicos. Não é a mesma coisa.

Dessa forma, para dar fôlego extra à narrativa, foi necessário enxertar a trama com elementos completamente novos em relação à obra original, a começar por personagens como a mãe raptada pela fumaça verde (e toda a sua família, para não falar da própria fumaça verde), além das espadas dos sete fidalgos, que, de acordo com o roteiro (assinado por Stephen McFeely, Christopher Markus e Michael Petroni) deveriam ser colocadas na mesa de Aslam para vencer o mal que vem da ilha dos pesadelos. Primeiramente, esse “mal” não existe na obra de C. S. Lewis, uma vez que a referida ilha – no livro chamada de “a ilha onde os Sonhos se tornam realidade” – aparece em não mais do que cinco páginas. No livro, o atual rei de Nárnia não parte em sua viagem para vencer mal algum, mas sim por uma questão de honra.

O problema é que para amarrar todos os acontecimentos, foi preciso aumentar o nível de perigo a ponto de criar um épico que dê sequência aos dois primeiros filmes. Assim, cria-se uma urgência maior para se encontrar os sete lordes. Para suprir esse objetivo, contudo, perde-se um pouco da poesia do texto original, especialmente numa estória em que um navio navega rumo ao fim do mundo – num mundo em que céu e mar se unem num oceano de lírios brancos. Se a adaptação seguisse por um outro rumo, talvez tivéssemos uma obra capaz de abranger um pouco mais a busca pelos limites da existência, conceito esse que, na obra de Lewis, surge – veja só! – por meio de um rato e não de um homem.

Ripchip, em pôster de divulgação

O personagem em questão é o ratinho Ripchip, o qual, na minha opinião, é um dos melhores personagens de fantasia já criados até hoje (ao lado de Gandalf e da princesa Éowyn, de O Senhor dos Anéis, e do Morte, da série Discworld – e, antes que muitos se perguntem, sim, Morte é um homem).

Voltando ao Ripchip de Lewis, assim ele é descrito: “Podia-se dizer que era um rato, e era realmente. Mas um rato com cerca de sessenta centímetros de altura, caminhando apoiado nas patas traseiras. Atada à cabeça, por baixo de uma orelha e por cima de outra, exibia uma fina fita dourada na qual se prendia uma pena vermelha. (...) Apoiava a pata esquerda no punho de uma espada quase tão comprida quanto sua cauda.” É essa espada que Ripchip usa para defender veementemente sua honra, e é a mesma que, no livro, ele atira ao mar de lírios antes de ficar para sempre no país de Aslam. É a metáfora de alguém que, mesmo pequeno, lutou por seus princípios e chegou aonde sonhava. A força da metáfora, porém, se perde na adaptação, o que é uma pena.

O que não se perde, felizmente, é a referência cristã que permeia a obra de Lewis. Nesse filme em particular, a maior dessas referências acontece no seguinte diálogo (que pode ser acompanhado na pág. 514 do volume único de As Crônicas de Nárnia, lançado no Brasil pela editora Martins Fontes em 2005):

– Nosso mundo é Nárnia – soluçou Lúcia. – Como poderemos viver sem vê-lo?
– Você há de encontrar-me, querida – disse Aslam.
– Está também em nosso mundo? – perguntou Edmundo.
– Estou. Mas tenho outro nome. Têm de aprender a conhecer-me por esse nome. Foi por isso que os levei a Nárnia, para que, conhecendo-me um pouco, venham a conhecer-me melhor.

Esse outro nome ao qual Aslam se refere é Jesus. Isso ficou claro no primeiro filme, especialmente quando Aslam morre pelos pecados de um filho de Adão e ressuscita em seguida. É bom constatar que, apesar das diferenças existentes entre as linguagens literária e cinematográfica, essas referências – que são temas fundamentais à obra de Lewis – não passaram despercebidas. Quanto aos outros aspectos que se perderam, só podemos lamentar. (G.P.)

Mais críticas: Alice no País das Maravilhas

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sobre caminhos



Todos vão a lugares diferentes,
mas seguem pelo mesmo caminho.
Todos vão ao mesmo lugar,
mas seguem por caminhos diferentes.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Sobre arsênio, fósforo e novas formas de vida

Segundo divulgação da Nasa, a agência espacial estadunidense, foi descoberto o primeiro microorganismo terrestre capaz de prosperar e se reproduzir utilizando o arsênio, que é um elemento químico tóxico para outras formas de vida. Ainda segundo a agência, a descoberta mudou a nossa compreensão sobre a vida na Terra – e, quem sabe, em outros lugares.

A descoberta foi fruto de uma pesquisa da bioquímica Felise Wolfe-Simon, que identificou no lago Mono, na Califórnia, uma nova bactéria chamada GFAJ-1. Conforme ela explicou numa reportagem publicada no site da agência especial, já eram conhecidas anteriormente bactérias capazes de respirar arsênio; a nova descoberta, contudo, vai além disso, pois os microorganismos descobertos são capazes de incorporar o arsênio em suas constituições celulares. Em outras palavras, eles podem ser feitos de arsênio!

Todavia, o arsênio não é um dos seis elementos fundamentais para a vida – muito pelo contrário, uma vez que age como um veneno para a maioria dos seres vivos. Carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, enxofre e fósforo, quando combinados, formam os compostos fundamentais para o que se entendia por vida até a descoberta de Wolfe-Simon. Dessa forma, o fósforo, sendo parte integrante do DNA, era até ontem considerado um elemento obrigatório para a vida. Durante a pesquisa, porém, os cientistas isolaram as bactérias numa solução salina e, gradativamente, substituíram o fósforo pelo arsênio. O resultado foi que as bactérias integraram a substância em suas estruturas celulares em substituição ao fósforo. Consequentemente, um dos elementos até então considerados fundamentais estava faltando, mas a vida não deixou de existir.

Isso muda a concepção que temos sobre o que é vida e abre novos horizontes para a astrobiologia, ciência que busca seres vivos fora da Terra. Até quinta-feira, quando se buscava vida no universo, procurava-se pelos seis elementos fundamentais, mas a descoberta da Nasa mostrou que é possível a existência de um ser vivo baseado em outros elementos. Como identificá-lo, então? A pergunta é: nós seríamos capazes de reconhecer um ser vivo tão diferente mesmo que nos deparássemos com ele?

Essa descoberta abre não apenas novas possibilidades, mas também uma lacuna em nossa compreensão: afinal, o que faz com que nós sejamos o que nós somos? Ainda que saibamos que seja possível existir vida baseada em elementos diferentes daqueles que nos constituem, ainda não somos capazes de definir com precisão o que é a vida. E também não somos capazes de criá-la sinteticamente. Podemos, sim, sintetizar proteínas e outras substâncias, mas como torná-las funcionais? Ao que parece, falta ainda descobrir como acender a última centelha. (G.P.)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Sobre Jornalismo aqui e acolá



“Poeticamente podia-se dizer que o Jornalismo é a vida, tal como é contada nas notícias de nascimentos e de mortes (...). É a vida em todas as suas dimensões, como uma enciclopédia.” Assim disse o acadêmico português Nelson Traquina em seu livro Teorias do Jornalismo.

Ora, se o jornalismo é a vida, o jornalista é o cara que conta todas essas histórias de nascimentos, mortes e tudo o que acontece no meio. Jornalistas são, portanto, contadores de histórias, e histórias são, em última análise, interpretações. Fazer jornalismo, dessa forma, é interpretar a realidade e transformá-la numa narrativa.

No Brasil, porém, sinto que o jornalismo abusa do declaracionismo, digamos assim. Parece-me que a maioria dos jornalistas brasileiros simplesmente joga seu texto entre duas aspas, citando o que alguém falou e tirando assim o peso de suas próprias costas, o que certamente diminui o risco de levar um processo – ou quem sabe uma porretada na nuca num beco escuro. Talvez por uma questão de autopreservação, muitos de nossos jornalistas se ocupam em responder as perguntas do lead (o quê, quem, quando, onde, como e por quê?) e, passado o primeiro parágrafo, tudo o que resta são blocos de citações, e isso é tudo.

Como se não bastasse, penso também que muitos dos nossos jornalistas preocupam-se demais em manter em seus textos uma linguagem sóbria e séria que diz: “Olhe para mim, eu sou um cara culto, ok? Eu escrevo enquanto bebo whisky e afago o meu cavanhaque grisalho”, ou então – numa versão mais esquerdista – “Eu já li O Capital três vezes só este ano, nunca comi um Big Mac e só ouço música popular brasileira, de preferência escrita por alguém que foi exilado durante a ditadura”. Ok, estamos nos desviando da questão. O fato é que, comparativamente, sinto falta de criatividade em nosso jornalismo.

Lendo o New York Times, por sua vez, sinto que lá o jornalista tem mais autonomia para reportar o que ele presenciou – e não apenas o que alguém disse. Além disso, parece que há mais espaço para que o autor salpique no texto o seu estilo literário, o que torna a narrativa mais densa e indiscutivelmente mais saborosa. Enquanto aqui as fontes soam muitas vezes mecânicas, no jornalismo ao qual o New York Times aparentemente se propõe, elas soam mais humanas, como personagens de um livro cuja trama é escrita diariamente. E jornalismo não é isso?

Aqui vai um exemplo: No dia 15 de setembro, o New York Times publicou uma reportagem sobre a queda da influência política do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, e a ascensão da Liga Norte (o partido político oposto). O texto, assinado por Rachel Donadio, foi intitulado A New Power Broker Rises in Italy (numa tradução livre Uma nova influência política cresce na Itália). Segue um trecho da reportagem em questão:

All of which has empowered one man in particular: Umberto Bossi, leader of the Northern League, who is known for extra salty language, wearing tank tops and continuing to smoke cigars even though a stroke took away a good part of his voice.

Traduzindo:
“Tudo isso fortaleceu um homem em particular: Umberto Bossi, líder da Liga do Norte, que é conhecido pelo seu palavreado pungente, por vestir camisetas regatas e continuar a fumar charutos ainda que um derrame tenha tirado boa parte de sua voz.”

Palavreado pungente, camisetas regatas e charutos. Está aí uma descrição que, no Brasil, seria encontrada mais nos romances do que nos jornais. É dessa irreverência que eu estou falando. Mesmo que não haja uma foto, você é capaz de enxergar o personagem em suas idiossincrasias caricatas.

É difícil dizer se um jornalismo é pior ou melhor do que o outro – apesar de eu ter, é claro, uma opinião pessoal. Ouso dizer, contudo, que muitos dos profissionais que fazem o nosso jornalismo orgulham-se em defender a bandeira da tão sonhada “objetividade”. A criatividade começa a morrer aí. Será que ser objetivo é apenas copiar num caderninho – ou num smartphone, que seja – o que o entrevistado disse e reproduzir entre aspas nas páginas de um jornal? Se é isso que nós estamos fazendo, meu amigo, então nós não passamos de gravadores que sabem datilografar.

Sinto que no jornalismo brasileiro falta espaço para o feeling do repórter, aquele olhar poético e sagaz que vai passar para o leitor não só meia dúzia de palavras entre duas aspas, mas fazer com que o cara de fato imagine uma cena, quase como faz um escritor. Na minha modesta opinião, vale a pena pensar sobre isso. (G.P.)