Pray it up, pray, pray it up...
...e um feliz Natal a todos.
sábado, 18 de dezembro de 2010
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Sobre As Crônicas de Nárnia: A viagem do Peregrino da Alvorada
Baseado no livro homônimo, o filme As Crônicas de Nárnia: A viagem do Peregrino da Alvorada (The Chronicles of Narnia: Voyage of the Dawn Treader, 2010) é um retorno ao mundo mágico criado pelo autor inglês Clive Staples Lewis. No longa, os irmãos Edmundo (Skandar Keynes) e Lúcia (Georgie Henley) voltam ao reino de Nárnia por meio de uma pintura pregada na parede da casa de seu primo Eustáquio (Will Poulter). Depois de caírem num oceano revolto, as crianças embarcam no navio que dá título à estória, o qual está levando o atual rei de Nárnia, o jovem Caspian (Ben Barnes), a uma jornada em busca de sete lordes exilados de seu reino.
Adornada com belíssimos efeitos 3D, a fotografia de Dante Spinotti é um dos pontos altos deste filme. Sobre o roteiro, contudo, não se pode dizer a mesma coisa. O tropeço na adaptação aconteceu quando se quis transformar a estória num épico, o que se mostra um erro, pois o material original, o livro de Lewis, não é um épico. É uma crônica. É por isso que o título é As Crônicas de Nárnia. Crônicas. Não épicos. Não é a mesma coisa.
Dessa forma, para dar fôlego extra à narrativa, foi necessário enxertar a trama com elementos completamente novos em relação à obra original, a começar por personagens como a mãe raptada pela fumaça verde (e toda a sua família, para não falar da própria fumaça verde), além das espadas dos sete fidalgos, que, de acordo com o roteiro (assinado por Stephen McFeely, Christopher Markus e Michael Petroni) deveriam ser colocadas na mesa de Aslam para vencer o mal que vem da ilha dos pesadelos. Primeiramente, esse “mal” não existe na obra de C. S. Lewis, uma vez que a referida ilha – no livro chamada de “a ilha onde os Sonhos se tornam realidade” – aparece em não mais do que cinco páginas. No livro, o atual rei de Nárnia não parte em sua viagem para vencer mal algum, mas sim por uma questão de honra.
O problema é que para amarrar todos os acontecimentos, foi preciso aumentar o nível de perigo a ponto de criar um épico que dê sequência aos dois primeiros filmes. Assim, cria-se uma urgência maior para se encontrar os sete lordes. Para suprir esse objetivo, contudo, perde-se um pouco da poesia do texto original, especialmente numa estória em que um navio navega rumo ao fim do mundo – num mundo em que céu e mar se unem num oceano de lírios brancos. Se a adaptação seguisse por um outro rumo, talvez tivéssemos uma obra capaz de abranger um pouco mais a busca pelos limites da existência, conceito esse que, na obra de Lewis, surge – veja só! – por meio de um rato e não de um homem.
O personagem em questão é o ratinho Ripchip, o qual, na minha opinião, é um dos melhores personagens de fantasia já criados até hoje (ao lado de Gandalf e da princesa Éowyn, de O Senhor dos Anéis, e do Morte, da série Discworld – e, antes que muitos se perguntem, sim, Morte é um homem).
Voltando ao Ripchip de Lewis, assim ele é descrito: “Podia-se dizer que era um rato, e era realmente. Mas um rato com cerca de sessenta centímetros de altura, caminhando apoiado nas patas traseiras. Atada à cabeça, por baixo de uma orelha e por cima de outra, exibia uma fina fita dourada na qual se prendia uma pena vermelha. (...) Apoiava a pata esquerda no punho de uma espada quase tão comprida quanto sua cauda.” É essa espada que Ripchip usa para defender veementemente sua honra, e é a mesma que, no livro, ele atira ao mar de lírios antes de ficar para sempre no país de Aslam. É a metáfora de alguém que, mesmo pequeno, lutou por seus princípios e chegou aonde sonhava. A força da metáfora, porém, se perde na adaptação, o que é uma pena.
O que não se perde, felizmente, é a referência cristã que permeia a obra de Lewis. Nesse filme em particular, a maior dessas referências acontece no seguinte diálogo (que pode ser acompanhado na pág. 514 do volume único de As Crônicas de Nárnia, lançado no Brasil pela editora Martins Fontes em 2005):
– Nosso mundo é Nárnia – soluçou Lúcia. – Como poderemos viver sem vê-lo?
– Você há de encontrar-me, querida – disse Aslam.
– Está também em nosso mundo? – perguntou Edmundo.
– Estou. Mas tenho outro nome. Têm de aprender a conhecer-me por esse nome. Foi por isso que os levei a Nárnia, para que, conhecendo-me um pouco, venham a conhecer-me melhor.
Esse outro nome ao qual Aslam se refere é Jesus. Isso ficou claro no primeiro filme, especialmente quando Aslam morre pelos pecados de um filho de Adão e ressuscita em seguida. É bom constatar que, apesar das diferenças existentes entre as linguagens literária e cinematográfica, essas referências – que são temas fundamentais à obra de Lewis – não passaram despercebidas. Quanto aos outros aspectos que se perderam, só podemos lamentar. (G.P.)
Mais críticas: Alice no País das Maravilhas
Adornada com belíssimos efeitos 3D, a fotografia de Dante Spinotti é um dos pontos altos deste filme. Sobre o roteiro, contudo, não se pode dizer a mesma coisa. O tropeço na adaptação aconteceu quando se quis transformar a estória num épico, o que se mostra um erro, pois o material original, o livro de Lewis, não é um épico. É uma crônica. É por isso que o título é As Crônicas de Nárnia. Crônicas. Não épicos. Não é a mesma coisa.
Dessa forma, para dar fôlego extra à narrativa, foi necessário enxertar a trama com elementos completamente novos em relação à obra original, a começar por personagens como a mãe raptada pela fumaça verde (e toda a sua família, para não falar da própria fumaça verde), além das espadas dos sete fidalgos, que, de acordo com o roteiro (assinado por Stephen McFeely, Christopher Markus e Michael Petroni) deveriam ser colocadas na mesa de Aslam para vencer o mal que vem da ilha dos pesadelos. Primeiramente, esse “mal” não existe na obra de C. S. Lewis, uma vez que a referida ilha – no livro chamada de “a ilha onde os Sonhos se tornam realidade” – aparece em não mais do que cinco páginas. No livro, o atual rei de Nárnia não parte em sua viagem para vencer mal algum, mas sim por uma questão de honra.
O problema é que para amarrar todos os acontecimentos, foi preciso aumentar o nível de perigo a ponto de criar um épico que dê sequência aos dois primeiros filmes. Assim, cria-se uma urgência maior para se encontrar os sete lordes. Para suprir esse objetivo, contudo, perde-se um pouco da poesia do texto original, especialmente numa estória em que um navio navega rumo ao fim do mundo – num mundo em que céu e mar se unem num oceano de lírios brancos. Se a adaptação seguisse por um outro rumo, talvez tivéssemos uma obra capaz de abranger um pouco mais a busca pelos limites da existência, conceito esse que, na obra de Lewis, surge – veja só! – por meio de um rato e não de um homem.
O personagem em questão é o ratinho Ripchip, o qual, na minha opinião, é um dos melhores personagens de fantasia já criados até hoje (ao lado de Gandalf e da princesa Éowyn, de O Senhor dos Anéis, e do Morte, da série Discworld – e, antes que muitos se perguntem, sim, Morte é um homem).
Voltando ao Ripchip de Lewis, assim ele é descrito: “Podia-se dizer que era um rato, e era realmente. Mas um rato com cerca de sessenta centímetros de altura, caminhando apoiado nas patas traseiras. Atada à cabeça, por baixo de uma orelha e por cima de outra, exibia uma fina fita dourada na qual se prendia uma pena vermelha. (...) Apoiava a pata esquerda no punho de uma espada quase tão comprida quanto sua cauda.” É essa espada que Ripchip usa para defender veementemente sua honra, e é a mesma que, no livro, ele atira ao mar de lírios antes de ficar para sempre no país de Aslam. É a metáfora de alguém que, mesmo pequeno, lutou por seus princípios e chegou aonde sonhava. A força da metáfora, porém, se perde na adaptação, o que é uma pena.
O que não se perde, felizmente, é a referência cristã que permeia a obra de Lewis. Nesse filme em particular, a maior dessas referências acontece no seguinte diálogo (que pode ser acompanhado na pág. 514 do volume único de As Crônicas de Nárnia, lançado no Brasil pela editora Martins Fontes em 2005):
– Nosso mundo é Nárnia – soluçou Lúcia. – Como poderemos viver sem vê-lo?
– Você há de encontrar-me, querida – disse Aslam.
– Está também em nosso mundo? – perguntou Edmundo.
– Estou. Mas tenho outro nome. Têm de aprender a conhecer-me por esse nome. Foi por isso que os levei a Nárnia, para que, conhecendo-me um pouco, venham a conhecer-me melhor.
Esse outro nome ao qual Aslam se refere é Jesus. Isso ficou claro no primeiro filme, especialmente quando Aslam morre pelos pecados de um filho de Adão e ressuscita em seguida. É bom constatar que, apesar das diferenças existentes entre as linguagens literária e cinematográfica, essas referências – que são temas fundamentais à obra de Lewis – não passaram despercebidas. Quanto aos outros aspectos que se perderam, só podemos lamentar. (G.P.)
Mais críticas: Alice no País das Maravilhas
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Voyage of the Dawn Treader
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Sobre caminhos
Todos vão a lugares diferentes,
mas seguem pelo mesmo caminho.
Todos vão ao mesmo lugar,
mas seguem por caminhos diferentes.
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
domingo, 5 de dezembro de 2010
Haikai #5
No calor do campo,
libélulas esvoaçam
sozinhas no mundo.
libélulas esvoaçam
sozinhas no mundo.
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Sobre arsênio, fósforo e novas formas de vida
Segundo divulgação da Nasa, a agência espacial estadunidense, foi descoberto o primeiro microorganismo terrestre capaz de prosperar e se reproduzir utilizando o arsênio, que é um elemento químico tóxico para outras formas de vida. Ainda segundo a agência, a descoberta mudou a nossa compreensão sobre a vida na Terra – e, quem sabe, em outros lugares.
A descoberta foi fruto de uma pesquisa da bioquímica Felise Wolfe-Simon, que identificou no lago Mono, na Califórnia, uma nova bactéria chamada GFAJ-1. Conforme ela explicou numa reportagem publicada no site da agência especial, já eram conhecidas anteriormente bactérias capazes de respirar arsênio; a nova descoberta, contudo, vai além disso, pois os microorganismos descobertos são capazes de incorporar o arsênio em suas constituições celulares. Em outras palavras, eles podem ser feitos de arsênio!
Todavia, o arsênio não é um dos seis elementos fundamentais para a vida – muito pelo contrário, uma vez que age como um veneno para a maioria dos seres vivos. Carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, enxofre e fósforo, quando combinados, formam os compostos fundamentais para o que se entendia por vida até a descoberta de Wolfe-Simon. Dessa forma, o fósforo, sendo parte integrante do DNA, era até ontem considerado um elemento obrigatório para a vida. Durante a pesquisa, porém, os cientistas isolaram as bactérias numa solução salina e, gradativamente, substituíram o fósforo pelo arsênio. O resultado foi que as bactérias integraram a substância em suas estruturas celulares em substituição ao fósforo. Consequentemente, um dos elementos até então considerados fundamentais estava faltando, mas a vida não deixou de existir.
Isso muda a concepção que temos sobre o que é vida e abre novos horizontes para a astrobiologia, ciência que busca seres vivos fora da Terra. Até quinta-feira, quando se buscava vida no universo, procurava-se pelos seis elementos fundamentais, mas a descoberta da Nasa mostrou que é possível a existência de um ser vivo baseado em outros elementos. Como identificá-lo, então? A pergunta é: nós seríamos capazes de reconhecer um ser vivo tão diferente mesmo que nos deparássemos com ele?
Essa descoberta abre não apenas novas possibilidades, mas também uma lacuna em nossa compreensão: afinal, o que faz com que nós sejamos o que nós somos? Ainda que saibamos que seja possível existir vida baseada em elementos diferentes daqueles que nos constituem, ainda não somos capazes de definir com precisão o que é a vida. E também não somos capazes de criá-la sinteticamente. Podemos, sim, sintetizar proteínas e outras substâncias, mas como torná-las funcionais? Ao que parece, falta ainda descobrir como acender a última centelha. (G.P.)
A descoberta foi fruto de uma pesquisa da bioquímica Felise Wolfe-Simon, que identificou no lago Mono, na Califórnia, uma nova bactéria chamada GFAJ-1. Conforme ela explicou numa reportagem publicada no site da agência especial, já eram conhecidas anteriormente bactérias capazes de respirar arsênio; a nova descoberta, contudo, vai além disso, pois os microorganismos descobertos são capazes de incorporar o arsênio em suas constituições celulares. Em outras palavras, eles podem ser feitos de arsênio!
Todavia, o arsênio não é um dos seis elementos fundamentais para a vida – muito pelo contrário, uma vez que age como um veneno para a maioria dos seres vivos. Carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, enxofre e fósforo, quando combinados, formam os compostos fundamentais para o que se entendia por vida até a descoberta de Wolfe-Simon. Dessa forma, o fósforo, sendo parte integrante do DNA, era até ontem considerado um elemento obrigatório para a vida. Durante a pesquisa, porém, os cientistas isolaram as bactérias numa solução salina e, gradativamente, substituíram o fósforo pelo arsênio. O resultado foi que as bactérias integraram a substância em suas estruturas celulares em substituição ao fósforo. Consequentemente, um dos elementos até então considerados fundamentais estava faltando, mas a vida não deixou de existir.
Isso muda a concepção que temos sobre o que é vida e abre novos horizontes para a astrobiologia, ciência que busca seres vivos fora da Terra. Até quinta-feira, quando se buscava vida no universo, procurava-se pelos seis elementos fundamentais, mas a descoberta da Nasa mostrou que é possível a existência de um ser vivo baseado em outros elementos. Como identificá-lo, então? A pergunta é: nós seríamos capazes de reconhecer um ser vivo tão diferente mesmo que nos deparássemos com ele?
Essa descoberta abre não apenas novas possibilidades, mas também uma lacuna em nossa compreensão: afinal, o que faz com que nós sejamos o que nós somos? Ainda que saibamos que seja possível existir vida baseada em elementos diferentes daqueles que nos constituem, ainda não somos capazes de definir com precisão o que é a vida. E também não somos capazes de criá-la sinteticamente. Podemos, sim, sintetizar proteínas e outras substâncias, mas como torná-las funcionais? Ao que parece, falta ainda descobrir como acender a última centelha. (G.P.)
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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Sobre Jornalismo aqui e acolá
“Poeticamente podia-se dizer que o Jornalismo é a vida, tal como é contada nas notícias de nascimentos e de mortes (...). É a vida em todas as suas dimensões, como uma enciclopédia.” Assim disse o acadêmico português Nelson Traquina em seu livro Teorias do Jornalismo.
Ora, se o jornalismo é a vida, o jornalista é o cara que conta todas essas histórias de nascimentos, mortes e tudo o que acontece no meio. Jornalistas são, portanto, contadores de histórias, e histórias são, em última análise, interpretações. Fazer jornalismo, dessa forma, é interpretar a realidade e transformá-la numa narrativa.
No Brasil, porém, sinto que o jornalismo abusa do declaracionismo, digamos assim. Parece-me que a maioria dos jornalistas brasileiros simplesmente joga seu texto entre duas aspas, citando o que alguém falou e tirando assim o peso de suas próprias costas, o que certamente diminui o risco de levar um processo – ou quem sabe uma porretada na nuca num beco escuro. Talvez por uma questão de autopreservação, muitos de nossos jornalistas se ocupam em responder as perguntas do lead (o quê, quem, quando, onde, como e por quê?) e, passado o primeiro parágrafo, tudo o que resta são blocos de citações, e isso é tudo.
Como se não bastasse, penso também que muitos dos nossos jornalistas preocupam-se demais em manter em seus textos uma linguagem sóbria e séria que diz: “Olhe para mim, eu sou um cara culto, ok? Eu escrevo enquanto bebo whisky e afago o meu cavanhaque grisalho”, ou então – numa versão mais esquerdista – “Eu já li O Capital três vezes só este ano, nunca comi um Big Mac e só ouço música popular brasileira, de preferência escrita por alguém que foi exilado durante a ditadura”. Ok, estamos nos desviando da questão. O fato é que, comparativamente, sinto falta de criatividade em nosso jornalismo.
Lendo o New York Times, por sua vez, sinto que lá o jornalista tem mais autonomia para reportar o que ele presenciou – e não apenas o que alguém disse. Além disso, parece que há mais espaço para que o autor salpique no texto o seu estilo literário, o que torna a narrativa mais densa e indiscutivelmente mais saborosa. Enquanto aqui as fontes soam muitas vezes mecânicas, no jornalismo ao qual o New York Times aparentemente se propõe, elas soam mais humanas, como personagens de um livro cuja trama é escrita diariamente. E jornalismo não é isso?
Aqui vai um exemplo: No dia 15 de setembro, o New York Times publicou uma reportagem sobre a queda da influência política do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, e a ascensão da Liga Norte (o partido político oposto). O texto, assinado por Rachel Donadio, foi intitulado A New Power Broker Rises in Italy (numa tradução livre Uma nova influência política cresce na Itália). Segue um trecho da reportagem em questão:
“All of which has empowered one man in particular: Umberto Bossi, leader of the Northern League, who is known for extra salty language, wearing tank tops and continuing to smoke cigars even though a stroke took away a good part of his voice.”
Traduzindo:
“Tudo isso fortaleceu um homem em particular: Umberto Bossi, líder da Liga do Norte, que é conhecido pelo seu palavreado pungente, por vestir camisetas regatas e continuar a fumar charutos ainda que um derrame tenha tirado boa parte de sua voz.”
Palavreado pungente, camisetas regatas e charutos. Está aí uma descrição que, no Brasil, seria encontrada mais nos romances do que nos jornais. É dessa irreverência que eu estou falando. Mesmo que não haja uma foto, você é capaz de enxergar o personagem em suas idiossincrasias caricatas.
É difícil dizer se um jornalismo é pior ou melhor do que o outro – apesar de eu ter, é claro, uma opinião pessoal. Ouso dizer, contudo, que muitos dos profissionais que fazem o nosso jornalismo orgulham-se em defender a bandeira da tão sonhada “objetividade”. A criatividade começa a morrer aí. Será que ser objetivo é apenas copiar num caderninho – ou num smartphone, que seja – o que o entrevistado disse e reproduzir entre aspas nas páginas de um jornal? Se é isso que nós estamos fazendo, meu amigo, então nós não passamos de gravadores que sabem datilografar.
Sinto que no jornalismo brasileiro falta espaço para o feeling do repórter, aquele olhar poético e sagaz que vai passar para o leitor não só meia dúzia de palavras entre duas aspas, mas fazer com que o cara de fato imagine uma cena, quase como faz um escritor. Na minha modesta opinião, vale a pena pensar sobre isso. (G.P.)
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sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Sobre Hatsune Miku e um futuro (não tão) distante
Hatsune Miku tem 16 anos, mede 1,58 m de altura e pesaria 42 kg se não fosse uma projeção. Criada pela Crypton Future Media Inc., empresa de produção fonográfica localizada em Sapporo, no norte do Japão, Hatsune foi desenvolvida por meio da tecnologia Vocaloid, que cria vozes sintéticas e permite ao usuário compor músicas e adicionar interpretações vocais a elas sem a necessidade de um intérprete real. É um fenômeno novo na indústria audiovisual, mas vai além. Pois Hatsune Miku não é apenas uma voz; ela é uma diva completa. Baseada no design dos personagens do mangá japonês, ela escapa das telas de computadores e Ipods para cair num ambiente bem mais real, digamos assim. Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras. Tenho de concordar que, neste caso, é verdade. Para entender, nada melhor do que assistir ao vídeo do show de Hatsune "ao vivo":
Hatsune Miku é uma interface entre o mundo binário e o mundo tridimensional. Ao ser inserida num palco diante de centenas de espectadores, porém, ela deixa de ser uma simples projeção para se tornar o simulacro de uma cantora pop. Nesse ambiente, ela é capaz de despertar no público as mesmas emoções e sensações que uma cantora real despertaria. Talvez até mais, considerando-se o seu design de grande apelo. Da interação entre a diva holográfica e o público de carne e osso, nasce um novo tipo de fetichismo – que dificilmente seria criado num local que não fosse o Japão. E ela faz a gente se perguntar: o que é real?
Esse tipo de projeção não é uma novidade tão inédita no entretenimento. Atrações da Disney já fazem uso desse recurso há algum tempo. A novidade, porém, é a realização de um show completo estrelado por uma cantora que não existe, cujas canções não foram gravadas na íntegra por uma dubladora real, mas geradas por um programa de computador. Quando o público se relaciona com um software da mesma forma que o faz com uma pessoa real, isso faz a gente se perguntar qual é o limite na relação entre homem e máquina.
Esse tipo de tecnologia encontra críticas ocasionais, principalmente vindas das gerações mais antigas, que se perguntam o que acontecerá com as relações interpessoais no futuro. Bem, por enquanto Hatsune Miku ainda precisa do fator humano presente na criatividade do compositor, pois, obviamente, ela não cria suas próprias músicas. Mas o que vai acontecer quando novos softwares permitirem às máquinas tomarem decisões por si próprias? Pode parecer ficção científica, mas isso já acontece com os robôs que viajam em Marte, por exemplo, que são capazes de analisar o ambiente e tomar algumas decisões sem precisar da autorização de seus controladores da Nasa.
Imaginemos então um mundo em que máquinas, ou suas representações holográficas, tomem decisões e se reproduzam como faz o ser humano. Dizemos – pelo menos deste lado do mundo – que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Em teoria, podemos supor então que nessa “semelhança” está incluído o potencial que o homem tem de criar um outro “ser” à imagem e semelhança do próprio homem. Quando o avanço tecnológico culminar num andróide capaz de tomar suas próprias decisões e fazer cópias de si mesmo, talvez seja impossível diferenciá-lo de um ser vivo. Até lá, Hatsune Miku nos dá uma agradável prévia. (G.P.)
Hatsune Miku é uma interface entre o mundo binário e o mundo tridimensional. Ao ser inserida num palco diante de centenas de espectadores, porém, ela deixa de ser uma simples projeção para se tornar o simulacro de uma cantora pop. Nesse ambiente, ela é capaz de despertar no público as mesmas emoções e sensações que uma cantora real despertaria. Talvez até mais, considerando-se o seu design de grande apelo. Da interação entre a diva holográfica e o público de carne e osso, nasce um novo tipo de fetichismo – que dificilmente seria criado num local que não fosse o Japão. E ela faz a gente se perguntar: o que é real?
Esse tipo de projeção não é uma novidade tão inédita no entretenimento. Atrações da Disney já fazem uso desse recurso há algum tempo. A novidade, porém, é a realização de um show completo estrelado por uma cantora que não existe, cujas canções não foram gravadas na íntegra por uma dubladora real, mas geradas por um programa de computador. Quando o público se relaciona com um software da mesma forma que o faz com uma pessoa real, isso faz a gente se perguntar qual é o limite na relação entre homem e máquina.
Esse tipo de tecnologia encontra críticas ocasionais, principalmente vindas das gerações mais antigas, que se perguntam o que acontecerá com as relações interpessoais no futuro. Bem, por enquanto Hatsune Miku ainda precisa do fator humano presente na criatividade do compositor, pois, obviamente, ela não cria suas próprias músicas. Mas o que vai acontecer quando novos softwares permitirem às máquinas tomarem decisões por si próprias? Pode parecer ficção científica, mas isso já acontece com os robôs que viajam em Marte, por exemplo, que são capazes de analisar o ambiente e tomar algumas decisões sem precisar da autorização de seus controladores da Nasa.
Imaginemos então um mundo em que máquinas, ou suas representações holográficas, tomem decisões e se reproduzam como faz o ser humano. Dizemos – pelo menos deste lado do mundo – que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Em teoria, podemos supor então que nessa “semelhança” está incluído o potencial que o homem tem de criar um outro “ser” à imagem e semelhança do próprio homem. Quando o avanço tecnológico culminar num andróide capaz de tomar suas próprias decisões e fazer cópias de si mesmo, talvez seja impossível diferenciá-lo de um ser vivo. Até lá, Hatsune Miku nos dá uma agradável prévia. (G.P.)
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sexta-feira, 29 de outubro de 2010
É um mundo pequeno, afinal das contas...
Obrigado a todos pelas visitas internacionais que o blog tem recebido até o momento. Registro meus agradecimentos aos 20 países que já passaram por aqui, incluindo as visitas não registradas.
Thank you all for the international visits that the blog has received until now. I register my thanks to the 20 coutries which have been here, including the non-registered visits.
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Narrativa Visual: China ontem e hoje
Viajar pela China é, sob vários aspectos, caminhar entre o antigo e o novo. Trata-se de um país que passa por intensas e visíveis transformações em todos os sentidos, num ritmo que dificilmente pode ser observado em outro lugar do planeta. Nesta fotorreportagem, o leitor poderá apreciar imagens que marcam o contraste de uma nação que sempre despertou a curiosidade do mundo. Aprecie! (G.P.)
Clique nas imagens para ampliar.
Os textos referentes a cada página estão disponíveis em inglês embaixo de cada uma delas.
Visual Storytelling: China yesterday and today
In many ways, travelling in China is a walk among the old and the new. That’s a country which faces all kinds of intense and visible transformations, in a pace that can hardly be seen anywhere else on the planet. In this photo-article, the reader will be able to observe images which represent the contrast of a nation that has always aroused world’s curiosity. Enjoy! (G.P.)
Click the images to enlarge.
The English version for the text of each page is available under the pictures.
Clique nas imagens para ampliar.
Os textos referentes a cada página estão disponíveis em inglês embaixo de cada uma delas.
Visual Storytelling: China yesterday and today
In many ways, travelling in China is a walk among the old and the new. That’s a country which faces all kinds of intense and visible transformations, in a pace that can hardly be seen anywhere else on the planet. In this photo-article, the reader will be able to observe images which represent the contrast of a nation that has always aroused world’s curiosity. Enjoy! (G.P.)
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The English version for the text of each page is available under the pictures.
Around Beijing, the Great Wall of China rests upon the mountains like a sleeping dragon. In the center of the capital, the waters reflect a pavilion of the entrance to the Forbidden City, where the emperor and his entourage lived for centuries. The Temple of Heaven was the place where the emperor went to burn incense and take part in other religious ceremonies.
One night in Beijing, 我留下许多情。
不管你爱与不爱都是历史的尘埃陈升。
(Chen Sheng and Liu Jiahui)
"One night in Beijing, and I leave behind some feeling.
It doesn’t matter if you love it or not, it’s covered by the dust of history. "
One night in Beijing, 我留下许多情。
不管你爱与不爱都是历史的尘埃陈升。
(Chen Sheng and Liu Jiahui)
"One night in Beijing, and I leave behind some feeling.
It doesn’t matter if you love it or not, it’s covered by the dust of history. "
大海 航行 靠 舵手, 干 革命 靠 毛泽东 思想.
"If you want to sail the sea, you must trust the helmsman; if you want to undertake a revolution, you must trust President Mao."
That's a famous Chinese sentence in support to the revolutionary leader Mao Zedong (1893-1976), who founded the Chinese Communist Party and started the Cultural Revolution.
Clockwise: a communist monument in Guiyang, a wall adorned with communist art in the main area of Shanghai, a locked door in the Forbidden City, and Mao's portrait on the Tiananmen Square in Beijing.
Closed doors
Mao ruled China from 1949 to 1976. After his death, Deng Xiaoping became the President, being declared as responsible for the economic opening of China.
"If you want to sail the sea, you must trust the helmsman; if you want to undertake a revolution, you must trust President Mao."
That's a famous Chinese sentence in support to the revolutionary leader Mao Zedong (1893-1976), who founded the Chinese Communist Party and started the Cultural Revolution.
Clockwise: a communist monument in Guiyang, a wall adorned with communist art in the main area of Shanghai, a locked door in the Forbidden City, and Mao's portrait on the Tiananmen Square in Beijing.
Closed doors
Mao ruled China from 1949 to 1976. After his death, Deng Xiaoping became the President, being declared as responsible for the economic opening of China.
Open doors in the Forbidden City
Detail of the Water Cube, the aquatic stadium of the 2008 Olympic Games
Mc Donald’s in Chengdu, the capital of the Sichuan province
The new and the old in Shanghai
One world, one dream
Under this theme, Beijing hosted the Olympic Games in 2008. Among the Olympic constructions, the highlights were on the National Stadium, known as the Bird's Nest. The event received an investment of $ 40 billion, and was a showcase of the new China to the world, preparing the way to the realization of the World Expo 2010 in Shanghai.
Under this theme, Beijing hosted the Olympic Games in 2008. Among the Olympic constructions, the highlights were on the National Stadium, known as the Bird's Nest. The event received an investment of $ 40 billion, and was a showcase of the new China to the world, preparing the way to the realization of the World Expo 2010 in Shanghai.
World Expo 2010
"Better City, Better Life" is the theme for the 2010 World Expo, an event held since 1851 which includes the participation of 242 countries and international organizations. Yet today, more than 50 cities have hosted the expo. To host the exhibition in Shanghai, China invested U.S. $ 45 billion. A total amount of 70 million visitors are expected until the enclosure, which will happen on October 31.
The global capital of the 21st century
After hosting the World Expo, Shanghai consolidates its status as a global city, a title given to major cities with great importance for the global economic system, like New York, Paris, Tokyo and London, for example. The ambition of Shanghai, however, does not stop there: the city intends to be the global capital of the 21st century.
"Better City, Better Life" is the theme for the 2010 World Expo, an event held since 1851 which includes the participation of 242 countries and international organizations. Yet today, more than 50 cities have hosted the expo. To host the exhibition in Shanghai, China invested U.S. $ 45 billion. A total amount of 70 million visitors are expected until the enclosure, which will happen on October 31.
The global capital of the 21st century
After hosting the World Expo, Shanghai consolidates its status as a global city, a title given to major cities with great importance for the global economic system, like New York, Paris, Tokyo and London, for example. The ambition of Shanghai, however, does not stop there: the city intends to be the global capital of the 21st century.
Mais sobre a China/More about China:
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sábado, 9 de outubro de 2010
Sobre Jiuzhaigou
Um tesouro escondido nas alturas
Após apaixonar-se profundamente por uma deusa, um garoto ofereceu a ela um espelho feito de vento, o único presente que se equiparava à sua beleza. A deusa, por sua vez, quebrou o espelho em inúmeros pedaços, e cada um deles transformou-se num magnífico lago espelhado.
A lenda em questão narra o mito por trás da criação de Jiuzhaigou, complexo de três vales em forma de Y localizado ao Norte da província de Sichuan, na China, o qual se estende por mais de 700 quilômetros quadrados e, fazendo jus à lenda, é recheado de lagos coloridos. Lagos esses que transformam o local num patrimônio da humanidade e num dos cartões postais da China. Hoje, tem-se a chance de desbravá-lo.
Um voo de tirar o fôlego
Para chegar aos vales de Jiuzhaigou, é preciso voar primeiro para alguma localidade próxima. O local está situado a 330km de Chengdu, a capital da província de Sichuan – que ficou famosa mundialmente depois do grande terremoto em 2008. Todavia, apesar de não estar consideravelmente longe, o acesso por terra é demorado devido às condições geográficas locais; partindo da capital, uma viagem terrestre através das montanhas pode levar mais de 10 horas. Por isso, mais fácil é voar de Chengdu até o aeroporto de Jiuzhaigou Huanglong. O voo leva cerca de 40 minutos e, ao se pousar num aeroporto localizado 3400 metros acima do nível do mar, tem-se uma vista de tirar o fôlego, especialmente quando se voa por entre montanhas salpicadas de neve e cobertas de pinheiros. Uma vez em terra, Jiuzhaigou fica a cerca de 90 km do aeroporto.
A partir daí, segue-se por uma estrada cheia de curvas e desfiladeiros. Segundo dados oficiais, a altitude em Jiuzhaigou varia de 2000 metros acima do nível do mar na entrada do parque a mais de 4500 metros nos cumes das montanhas, o que possibilita a existência de uma longa cadeia de paisagens e ecossistemas estratificados. Devido à altitude elevada, os guias recomendam que não se faça atividades físicas bruscas. Idosos e pessoas com doenças respiratórias ou vasculares devem ter cuidado redobrado. Nem todos sentem a diferença, é verdade, mas é possível ver pessoas utilizando bombas de oxigênio.
Beleza natural que parece magia
É impossível separar os lagos da aura mística do lugar. Num deles, por exemplo, as lendas dizem que uma divindade derrubou sua maquiagem por descuido ao utilizar a superfície como espelho. É daí que teriam vindo os magníficos tons de azul e verde das águas do lago conhecido como Colorful Pool (ou Piscina Colorida).
As cores deslumbrantes, segundo a lenda, surgiram
quando uma divindade derrubou sua maquiagem nas águas
De fato, o reflexo nas águas é algo que merece destaque por si só. Não seria de se admirar que suas superfícies plácidas, ocasionalmente beijadas pelo vento, fossem realmente usadas como espelho em tempos antigos. A limpidez da água é outro fator importante; alguns dos lagos têm nove metros de profundidade, mas a água é tão límpida que é possível enxergar os peixes e troncos caídos em suas profundezas.
Talvez seja por isso que um desses lagos tenha sido escolhido como cenário do filme Herói, dirigido pelo renomado Zhang Yimou e estrelado por Jet Li e Zhang Ziyi, em 2002. No longa metragem, a superfície espelhada do Lago do Bambu-Flecha reflete de forma poética as acrobacias aéreas do kung fu.
Não é por menos que o Parque Nacional de Jiuzhaigou é considerado patrimônio da humanidade pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Cultura, Ciência e Educação) desde 1992. O título é conferido apenas a localidades de extrema importância, seja natural ou cultural, e a China, tanto devido à sua extensão territorial como à sua história milenar, é um dos países com maior quantidade de patrimônios da humanidade registrados. Inclusive, outro desses patrimônios, a Reserva Natural de Huanglong, encontra-se a poucos quilômetros ao Sul de Jiuzhaigou e é outra parada obrigatória para quem se aventura pelas montanhas de Sichuan. Lá as atrações são as piscinas naturais de formação calcária que se estendem magnificamente por entre a floresta de coníferas.
Um vale de riqueza cultural
Além da beleza natural, outro atrativo de Jiuzhaigou é a oportunidade de presenciar e experimentar um pouco da cultura tibetana. A China está dividida oficialmente em 56 etnias, sendo que o povo tibetano é uma delas. O próprio nome Jiuzhaigou, que em chinês significa “Vale dos Nove Vilarejos” faz referência às vilas tibetanas espalhadas pelos vales. Uma vez que Sichuan faz divisa com o Tibete, a região é uma das áreas onde se pode vivenciar manifestações culturais únicas: desde os costumes tradicionais do budismo tibetano, passando pela música característica que parece ter sido criada especialmente para ressoar nos vales rochosos e chegando, é claro, à gastronomia, que inclui carne e leite de iaque – aquele bovino de pelo longo característico do Himalaia. Além disso, a culinária tibetana incorpora ingredientes da medicina tradicional chinesa.
Um vale de riqueza cultural
Além da beleza natural, outro atrativo de Jiuzhaigou é a oportunidade de presenciar e experimentar um pouco da cultura tibetana. A China está dividida oficialmente em 56 etnias, sendo que o povo tibetano é uma delas. O próprio nome Jiuzhaigou, que em chinês significa “Vale dos Nove Vilarejos” faz referência às vilas tibetanas espalhadas pelos vales. Uma vez que Sichuan faz divisa com o Tibete, a região é uma das áreas onde se pode vivenciar manifestações culturais únicas: desde os costumes tradicionais do budismo tibetano, passando pela música característica que parece ter sido criada especialmente para ressoar nos vales rochosos e chegando, é claro, à gastronomia, que inclui carne e leite de iaque – aquele bovino de pelo longo característico do Himalaia. Além disso, a culinária tibetana incorpora ingredientes da medicina tradicional chinesa.
Cultura tibetana em Jiuzhaigou
Rodar as rodas de oração, segundo a tradição tibetana,
traz bons augúrios; e a echarpe de seda branca é um sinal de boas vindas
traz bons augúrios; e a echarpe de seda branca é um sinal de boas vindas
Ainda que hoje se conheça registros de pessoas habitando Jiuzhaigou há milhares de anos, foi apenas em 1972 que o local foi oficialmente descoberto pelo governo chinês. Em termos históricos, especialmente quando se trata da China e suas dinastias milenares, é uma descoberta muito recente. Em termos geológicos, então, não é mais do que um piscar de olhos. Por muito tempo, Jiuzhaigou permaneceu um tesouro escondido nas alturas e ainda hoje, é um refúgio para aqueles que apreciam paisagens exuberantes e imaculadas. (G.P.)
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domingo, 3 de outubro de 2010
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Sobre futuro e destino
Futuro é algo que está prestes a acontecer. É inevitável, porém frágil.
Liberdade é o ato de tomar responsabilidade por aquilo que vem depois que o presente acaba.
Destino é algo que luta contra o caos inerente à existência. É construído a cada dia e, esperançosamente, ruma à posteridade brilhante.
O amor é o que faz muitas das engrenagens girarem. (G.P.)
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segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Sobre a realidade
Quando você olha para algo que está à sua frente, o ato de enxergar não acontece em tempo real. A luz viaja a 299792458 metros por segundo, é verdade, o que quer dizer que a fração de tempo necessária para que a luz chegue aos olhos é ínfima. Some a isso outra ínfima fração de tempo para que a informação visual seja processada em estímulos elétricos e você terá, em termos gerais, pouco mais que nada. Ainda assim, não enxergamos em tempo real. Ou seja, o que nós vemos no presente já é passado, uma realidade no limbo entre o que existe e o que é visto.
Assim sendo, poderíamos continuar divagando sobre a efemeridade ou sobre aquele cara que atravessou o rio, mas não. Hoje o assunto é realidade. E também interpretação, porque uma coisa não funciona sem a outra. Vamos lá então.
Definição de dicionário: real, do latim reale, é aquilo “que tem existência no mundo dos sentidos”. Em outras palavras, se você sente, é real. Muitas vezes, porém, as pessoas sentem coisas que não são passíveis de mensuração empírica. Seguindo essa definição, tudo que alguém pode sentir é tão real quanto, digamos, uma tijolada entre as omoplatas na calada da noite. Mas o dicionário continua: real é aquilo “que não é imaginário”. Porém, é difícil definir o que é imaginário ou não. Até porque, numa perspectiva quântica, tudo é energia, e, portanto, tudo é nada. Os átomos e as sinapses mais alcoolizadas são ambos feitos de nada. É algo que os budistas já sabiam há muito tempo e que a Ciência com C maiúsculo vem descobrindo recentemente – mas essa é outra história.
O fato é que imaginação e realidade (ou realidade e interpretação individual da realidade, o que muitas vezes não é muito diferente de imaginação), sob a ótica certa, podem ser separadas apenas por uma linha tênue, como o reflexo de uma montanha e a própria montanha. Quem é que pode dizer o que é mais real? (G.P.)
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Sobre a paz perdida num ponto do globo
Na vila de Xijiang Miao (西江苗寨), uma garota descansa em frente a um rio. Essa vila pertence ao Parque Nacional do Monte Leigong, no condado de Leishan, centro da China, e é um dos lares do povo Miao - uma das 55 minorias étnicas chinesas. Lá, onde o tempo parece ter parado de fluir entre as montanhas verdes e as plantações de arroz, é possível entender um pouquinho do que realmente se trata a paz.
In the Xijiang Miao Village (西江苗寨), a girl rests in front of a river. This village belongs to the Mount Leigong National Park, in Leishan county, center of China, and it's one of the homes of the Miao people - one of the 55 Chinese minorities. There, where time seems to have stopped flowing among the green mountains and the rice fields, it's possible to understand a little bit of what peace is really about.
西江苗寨,一个女孩正在河畔休息。该苗寨位于中国的中心,地处雷山县境内,属于中国雷公国家公园的一部分。另外,西江苗寨是中国55个少数民族之一——苗族的发源地。在那里,时间似乎在青山绿水以及稻田的美景中停滞,而正是在这样的景色中,人们或许可以真正感受到和平的真谛。
In the Xijiang Miao Village (西江苗寨), a girl rests in front of a river. This village belongs to the Mount Leigong National Park, in Leishan county, center of China, and it's one of the homes of the Miao people - one of the 55 Chinese minorities. There, where time seems to have stopped flowing among the green mountains and the rice fields, it's possible to understand a little bit of what peace is really about.
西江苗寨,一个女孩正在河畔休息。该苗寨位于中国的中心,地处雷山县境内,属于中国雷公国家公园的一部分。另外,西江苗寨是中国55个少数民族之一——苗族的发源地。在那里,时间似乎在青山绿水以及稻田的美景中停滞,而正是在这样的景色中,人们或许可以真正感受到和平的真谛。
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Sobre atravessar o rio
Vamos pensar sobre aquele cara que, hipoteticamente, atravessou o rio. Ao chegar ao outro lado, ele deixou de ser “o cara que nunca atravessou o rio” para se tornar “o cara que já atravessou o rio”, mudando assim não apenas a si mesmo, mas o mundo inteiro, que deixa de ser “o mundo no qual aquele cara específico nunca havia atravessado o rio” e passa a ser “o mundo no qual aquele cara específico já atravessou o rio”. Parece insignificante, mas, numa perspectiva ampla, são fatos assim que mudam todo o resto. É aquela velha história da borboleta batendo as asas num lado do mundo e causando um furacão no outro lado; você nunca sabe os desdobramentos que as suas ações terão daqui a um segundo ou um século. As variáveis são muitas. Previsões perfeitas são uma ilusão, pois o destino é uma coisa extremamente frágil. Uma palavra pode iniciar uma reação em cadeia e, BUM!, quando você se dá conta, "buckle your seatbelt, Dorothy, ‘cause Kansas is going bye bye!" (G.P.)
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Sobre a efemeridade (+ haikai #3 e haikai #4)
“Nós somos efêmeros”,
às flores da cerejeira
o homem falou.
Não tem rumo certo
a libélula que vaga
no mundo efêmero.
A efemeridade é a qualidade daquilo que é efêmero, transitório, cuja duração é curta. Por algum motivo, este é um conceito que soa assustador e belo para mim. Tudo que é efêmero é mais frágil e, portanto, digno de maior apreço. É claro que tudo – sem exceções – é efêmero, se você pensar nisso ao extremo.
Um crepúsculo, é claro, é efêmero.
Uma gota sob ação da gravidade é obviamente efêmera.
Nuvens são efêmeras.
E o que não é? Nós também somos. O próprio universo, para quem acredita no Big Bang, é efêmero; quando ele deixar de se expandir, tempo e espaço (e todo o resto) voltarão para dentro do ovo cósmico. Para quem acredita no Juízo Final, o mundo também é efêmero. Não importa; sob a perspectiva da eternidade, tudo que é finito é efêmero.
Então, tudo o que se tem é uma única chance para tudo. Se eu não me engano foi Heráclito quem disse que não se pode atravessar um mesmo rio duas vezes. É verdade. Quando você chega do outro lado, você se torna o cara que já atravessou o rio uma vez, e esse cara é diferente do cara que nunca atravessou o rio. As águas também serão outras, de forma que as versões anteriores de você e do rio não mais existirão. É a idiossincrasia de cada segundo; a idiossincrasia de qualquer coisa, na verdade. (G.P.)
às flores da cerejeira
o homem falou.
Não tem rumo certo
a libélula que vaga
no mundo efêmero.
A efemeridade é a qualidade daquilo que é efêmero, transitório, cuja duração é curta. Por algum motivo, este é um conceito que soa assustador e belo para mim. Tudo que é efêmero é mais frágil e, portanto, digno de maior apreço. É claro que tudo – sem exceções – é efêmero, se você pensar nisso ao extremo.
Um crepúsculo, é claro, é efêmero.
Uma gota sob ação da gravidade é obviamente efêmera.
Nuvens são efêmeras.
E o que não é? Nós também somos. O próprio universo, para quem acredita no Big Bang, é efêmero; quando ele deixar de se expandir, tempo e espaço (e todo o resto) voltarão para dentro do ovo cósmico. Para quem acredita no Juízo Final, o mundo também é efêmero. Não importa; sob a perspectiva da eternidade, tudo que é finito é efêmero.
Então, tudo o que se tem é uma única chance para tudo. Se eu não me engano foi Heráclito quem disse que não se pode atravessar um mesmo rio duas vezes. É verdade. Quando você chega do outro lado, você se torna o cara que já atravessou o rio uma vez, e esse cara é diferente do cara que nunca atravessou o rio. As águas também serão outras, de forma que as versões anteriores de você e do rio não mais existirão. É a idiossincrasia de cada segundo; a idiossincrasia de qualquer coisa, na verdade. (G.P.)
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segunda-feira, 19 de julho de 2010
About the World Expo and the China of today
In 2008, China invested something around US$40 billion in the Beijing Olympic Games. The result: an amazing spectacle that worked as a showcase of the new China to the Western world; China literally showed itself to the world. Two years later, it’s the world that shows itself to China. The 2010 edition of the World Expo (a global event held in London for the first time in 1851 under the title World’s Fair) is being held in Shanghai, and will continue until October 31. This time, the investment is US$45 billion.
Chinese girls walk around the National Stadium in Beijing
Commemorative song produced for the 100 days countdown to the Beijing Olympic Games (2008)
Visitors around the Chinese national pavillion, in the World Expo 2010
Visitors in the European area of the World Expo. In the background, the Finnish national pavillion
Promotion video for the World Expo 2010
What do these two events of global proportions – the Olympic Games and the World Expo – say about China? First, they are not afraid of investing. Second, they are willing to embrace the world – and, consequently, the western consumption standard, from McDonald’s to BMWs. Moreover, it already happened. The Communist China, as the older generations used to imagine, doesn’t exist anymore. This is pretty clear to see, for example, when entering a shopping mall in big cities like Beijing and Shanghai. There, it’s difficult to tell if you are in China or United States, both for the signs written in English as the crowded Burger King in the corner.
The realization of these events, especially the World Expo, also shows that the world’s eyes are looking at China, and very carefully. This is not a new phenomenon, of course. Eyes turned to China stimulated many centuries of commerce during the time of the Silk Road. Later, it was the desire to reach India and China that stimulate the European navigators to launch themselves into the sea. Once again, after the death of Mao (during the 70s), and the economic opening promoted by Deng Xiaoping during the following years, China is reborn as a land of opportunities.
Opportunities that Shanghai represents very well for being a hybrid city that mixes the old and the new, and also the East and the West. That’s why Shanghai intends to be the next global capital of the 21st century. The realization of the World Expo on the river banks of the Huangpu is one of the cogs turning in that direction.
The realization of these events, especially the World Expo, also shows that the world’s eyes are looking at China, and very carefully. This is not a new phenomenon, of course. Eyes turned to China stimulated many centuries of commerce during the time of the Silk Road. Later, it was the desire to reach India and China that stimulate the European navigators to launch themselves into the sea. Once again, after the death of Mao (during the 70s), and the economic opening promoted by Deng Xiaoping during the following years, China is reborn as a land of opportunities.
Opportunities that Shanghai represents very well for being a hybrid city that mixes the old and the new, and also the East and the West. That’s why Shanghai intends to be the next global capital of the 21st century. The realization of the World Expo on the river banks of the Huangpu is one of the cogs turning in that direction.
Shanghai: a hybrid city that mixes the old and the new
The city that intends to be the global capital of the 21st century
Today, there’s a lot of foreigners living in China, even though the majority is obviously formed by Chinese. It’s easy to be the majority when you are a nation with almost one and a half billion citizens. However, despite the fact that western visitors – and residents – are not something new, the Chinese people are still curious about the foreigners. If you are going there, and, just like me, you have your origin declared by a Western appearance, be prepared for a lot of staring in the subway, often followed by indiscreet comments. Even though the Chinese population is divided in 56 ethnic minorities, its majority (more than 90%) belongs to only one ethnic group, which is called han. Namely, the Chinese people are less used to diversity than the Brazilian, for example. In this sense, China still has a long way to go before embracing the world, as it has been trying. (G.P.)
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terça-feira, 13 de julho de 2010
Sobre a World Expo e a China de hoje
Em 2008, a China investiu cerca de US$40 bilhões nas Olimpíadas de Beijing. Resultado: um espetáculo monumental que serviu como vitrine da nova China para o mundo ocidental; a China literalmente mostrou-se para o mundo. Dois anos depois, é o mundo que se mostra à China. A edição de 2010 da World Expo (ou Exposição Mundial, evento global realizado pela primeira vez em 1851 em Londres sob o título World’s Fair) está sendo realizada em Shanghai e segue até 31 de outubro. Desta vez, o investimento é de US$45 bilhões.
Jovens chinesas caminham diante do Estádio Nacional em Beijing
Canção comemorativa produzida para a contagem regressiva de 100 dias antes das Olimpíadas em Beijing (2008)
Visitantes ao redor do pavilhão nacional da China, na World Expo 2010
Visitantes na área da Europa, na World Expo. Ao fundo, o pavilhão nacional da Finlândia
Vídeo de divulgação da World Expo 2010
Shanghai: uma cidade híbrida que une o novo e o antigo
A cidade que pretender ser a capital global do século XXI
Jovens chinesas caminham diante do Estádio Nacional em Beijing
Canção comemorativa produzida para a contagem regressiva de 100 dias antes das Olimpíadas em Beijing (2008)
Visitantes ao redor do pavilhão nacional da China, na World Expo 2010
Visitantes na área da Europa, na World Expo. Ao fundo, o pavilhão nacional da Finlândia
Vídeo de divulgação da World Expo 2010
O que esses dois eventos de proporções mundiais – as Olimpíadas e a World Expo – dizem sobre a China? Primeiro, que eles não têm medo de investir. Segundo, que eles estão dispostos a abraçar o mundo – e, consequentemente, o padrão de consumo ocidental, de McDonald’s a BMWs. Aliás, isso já aconteceu. A China comunista, da forma como ela existe no imaginário das gerações mais antigas, não existe mais. Isso fica visível, por exemplo, ao entrar num shopping center em metrópoles como Beijing ou Shanghai. Lá, é difícil saber se você está na China ou nos Estados Unidos, tanto pelos letreiros em inglês como pelo Burger King apinhado de gente numa das esquinas.
A realização desses eventos, principalmente no que diz respeito à World Expo em Shanghai, mostra ainda que os olhos do mundo estão voltados para a China, e muito atentamente. Isso não é um fenômeno inédito, é claro. Olhos voltados para a China já estimularam muitos e muitos séculos de comércio durante o tempo da Rota da Seda. Posteriormente, foi a vontade de chegar à Índia e à China que estimulou os navegadores europeus a lançar-se ao mar. Mais uma vez, após o falecimento de Mao (na década de 70) e a abertura econômica promovida por Deng Xiaoping nos anos seguintes, a China renasce como uma terra de oportunidades.
Oportunidades essas que Shanghai representa muito bem por ser uma cidade híbrida que mistura o novo e o antigo, assim como o ocidente e o oriente. Não é por menos que a cidade pretende ser a próxima capital global no século XXI. A realização da World Expo às margens do rio Huangpu é uma das engrenagens que giram nessa direção.
A realização desses eventos, principalmente no que diz respeito à World Expo em Shanghai, mostra ainda que os olhos do mundo estão voltados para a China, e muito atentamente. Isso não é um fenômeno inédito, é claro. Olhos voltados para a China já estimularam muitos e muitos séculos de comércio durante o tempo da Rota da Seda. Posteriormente, foi a vontade de chegar à Índia e à China que estimulou os navegadores europeus a lançar-se ao mar. Mais uma vez, após o falecimento de Mao (na década de 70) e a abertura econômica promovida por Deng Xiaoping nos anos seguintes, a China renasce como uma terra de oportunidades.
Oportunidades essas que Shanghai representa muito bem por ser uma cidade híbrida que mistura o novo e o antigo, assim como o ocidente e o oriente. Não é por menos que a cidade pretende ser a próxima capital global no século XXI. A realização da World Expo às margens do rio Huangpu é uma das engrenagens que giram nessa direção.
Shanghai: uma cidade híbrida que une o novo e o antigo
A cidade que pretender ser a capital global do século XXI
Hoje, há muitos estrangeiros vivendo na China, ainda que a maioria abrasadora seja, obviamente, formada por chineses. É fácil ser maioria quando se é uma nação com quase 1 bilhão e meio de cidadãos. Todavia, apesar de visitantes – e residentes – ocidentais não serem uma novidade, o povo chinês ainda é curioso com relação ao estrangeiro. Se você está indo para lá e tem sua origem declarada pela aparência ocidental, como eu, prepare-se para olhares demorados no metrô, muitas vezes seguidos por comentários indiscretos. Ainda que esteja dividida em 56 minorias étnicas, a maioria (mais de 90%) da população chinesa pertence a uma única etnia, chamada han. Ou seja, o povo chinês está muito menos acostumado à diversidade do que o brasileiro, por exemplo. Nesse sentido, quanto à diversidade, ainda há um longo caminho a percorrer até que a China consiga realmente abraçar o mundo, como vem tentando. (G.P.)
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sexta-feira, 9 de julho de 2010
Sobre o retorno
No momento, estou sobrevoando a Rússia. E a China, finalmente, ficou para trás. Cruzando fusos-horários a cerca de 825 km por hora e a uma altitude de quase 11 mil metros, estou ouvindo Beautiful Day, do U2.
Gosto dessa música há muito tempo, e acabo de fazer o que dizem seus versos: “See the world in green and blue, see China right in front of you” – e agora estou voltando para casa.
O mundo é grande, é verdade, mas nem tanto... As pessoas vivem suas vidas, seja no Ocidente ou no Oriente. Todas têm seus sonhos, todas lutam por eles da forma como desejam ou conseguem, e são as escolhas que elas fazem que determinam onde os caminhos vão se cruzar. E quando as pessoas se encontram, parte delas sobrevive para sempre naqueles que com elas compartilharam tempo e memórias.
Parte de mim ficou na China, e parte da China ficou em mim.
Parte de mim ficou na China, e parte da China ficou em mim.
- Escrito sobre um ponto x do caminho de volta (G.P.)
domingo, 6 de junho de 2010
Sobre distância e perspectiva(s)
Às vezes as pessoas têm de ir longe para entender o que se passa ao redor delas - ou dentro delas mesmas. O segredo é a perspectiva. Quanto a mim especificamente, estou indo ao local mais distante que posso ir sob este céu. Até logo. :) (G.P.)
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Life is a Cherry Flower
Myazaki Fuyumi, gorgeous as the last snowflake of a winter night and elegant as a fox, watched alone the fall of the petals of a cherry tree. Many thoughts were crossing her mind, most of them ephemeral as the flowers themselves, but the most significant one was the reflection regarding the simplicity of the existence of a cherry flower: all it had to do was jump off the twig, deliver itself to the wills of the wind and fall to the soil in a silent trajectory. In a certain way, Fuyumi was jealous about the abscence of intentions, goals, protocols to fulfill, passions and quandaries in the existence of a cherry flower. Everything would be simpler if people were as pink flowers falling from a tree after the winter, allowing themselves to be led by the breeze and nothing else.
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- Originally published in the Cow Creek Review 2009/2010, the Pittsburg State University's Literary Magazine, p. 128 (Kansas, United States).
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- Originally published in the Cow Creek Review 2009/2010, the Pittsburg State University's Literary Magazine, p. 128 (Kansas, United States).
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Thousand Petals
The sky is a violet painting
and the sun is a red brush.
Along the river, bamboos whisper,
maybe wishing to remaining stars.
And on the bridge, no one stands
to glance at white and red carps;
they swim over pebbles of granite
in cold water made of crystal.
Here comes the first breeze of the day
greeting the queen of the cherry trees.
Over the hill, she wonders about nothing
and each one of her thousand petals
is a piece of a broken heart.
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- Originally published in the Cow Creek Review 2009/2010, the Pittsburg State University's Literary Magazine, p. 241 (Kansas, United States).
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quinta-feira, 20 de maio de 2010
♫ Pipes of Peace
Esta é uma canção que me lembra minha infância. Eu a ouvi pela primeira vez quando criança com meu pai, mas o tempo passou e tudo o que restou dela em minha memória foi a melodia e alguns fragmentos da letra. Então, um dia eu procurei por ela novamente e aí está: Pipes of Peace, de Paul McCartney.
É uma canção sobre o mundo que será deixado às nossas crianças. O vídeo é particularmente bom, mostrando soldados dos dois lados da mesma guerra com as fotos de suas respectivas mulheres, cada um com suas próprias esperanças particulares.
A mensagem é bela: os problemas desaparecem com o amor.
Mas não deixa de ser uma utopia.
No entanto, não deixa de ser algo em que se pensar.
I light a candle to our love,
In love our problems disappear.
But all in all we soon discover
That one and one is all we long to hear.
All 'round the world,
Little children being born to the world.
Got to give them all we can 'til the war is won,
Then will the work be done.
Help them to learn (help them to learn)
Songs of joy instead of burn, baby, burn.
Let us show them how to play
The pipes of peace,
Play the pipes of peace.
Help me to learn
Songs of joy instead of burn, baby, burn,
Won't you show me to play (how to play)
The pipes of peace, (pipes of peace)
Play the pipes of peace
What do you say? (what do you say?)
Will the human race be run in a day? (in a day?)
Or will someone save this planet we're playing on?
Is it the only one?
What are we gonna do?
Help them to see (help them to see)
That the people here are like you and me. (like you and me)
Let us show them how to play (how to play)
The pipes of peace, (pipes of peace)
Play the pipes of peace.
I light a candle to our love,
In love our problems disappear.
But all in all we soon discover
That one and one is all we long to hear.
É uma canção sobre o mundo que será deixado às nossas crianças. O vídeo é particularmente bom, mostrando soldados dos dois lados da mesma guerra com as fotos de suas respectivas mulheres, cada um com suas próprias esperanças particulares.
A mensagem é bela: os problemas desaparecem com o amor.
Mas não deixa de ser uma utopia.
No entanto, não deixa de ser algo em que se pensar.
I light a candle to our love,
In love our problems disappear.
But all in all we soon discover
That one and one is all we long to hear.
All 'round the world,
Little children being born to the world.
Got to give them all we can 'til the war is won,
Then will the work be done.
Help them to learn (help them to learn)
Songs of joy instead of burn, baby, burn.
Let us show them how to play
The pipes of peace,
Play the pipes of peace.
Help me to learn
Songs of joy instead of burn, baby, burn,
Won't you show me to play (how to play)
The pipes of peace, (pipes of peace)
Play the pipes of peace
What do you say? (what do you say?)
Will the human race be run in a day? (in a day?)
Or will someone save this planet we're playing on?
Is it the only one?
What are we gonna do?
Help them to see (help them to see)
That the people here are like you and me. (like you and me)
Let us show them how to play (how to play)
The pipes of peace, (pipes of peace)
Play the pipes of peace.
I light a candle to our love,
In love our problems disappear.
But all in all we soon discover
That one and one is all we long to hear.
terça-feira, 18 de maio de 2010
♫ Into the West
Into the West (da trilha sonora de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei), de Annie Lennox e Howard Shore, é, na minha opinião, uma canção sobre o final das coisas: aquele momento em que as pessoas percebem que tudo acabou, e passam pela breve transição entre o medo e a aceitação. Trata-se também de quando você luta tanto por um ideal que, quando finalmente o alcança, percebe que o ato de lutar fez com que você mudasse os seus conceitos, e então seus ideais deixam de servir a você.
Eu gosto particularmente do trecho "You and I will meet again/ And you'll be here in my arms/ Just sleeping". Simples, concreto, nostálgico. Talvez verdadeiro, talvez não.
E, é claro, gosto de imaginar que, um dia, tudo se tornará vidro prateado.
Lay down
Your sweet and weary head
Night is falling
You’ve come to journey's end
Sleep now
And dream of the ones who came before
They are calling
From across the distant shore
Why do you weep?
What are these tears upon your face?
Soon you will see
All of your fears will pass away
Safe in my arms
You're only sleeping
What can you see
On the horizon?
Why do the white gulls call?
Across the sea
A pale moon rises
The ships have come to carry you home
And all will turn
To silver glass
A light on the water
All souls pass
Hope fades
Into the world of night
Through shadows falling
Out of memory and time
Don't say we have come now to the end
White shores are calling
You and I will meet again
And you'll be here in my arms
Just sleeping
What can you see
On the horizon?
Why do the white gulls call?
Across the sea
A pale moon rises
The ships have come to carry you home
And all will turn
To silver glass
A light on the water
Grey ships pass
Into the West
Eu gosto particularmente do trecho "You and I will meet again/ And you'll be here in my arms/ Just sleeping". Simples, concreto, nostálgico. Talvez verdadeiro, talvez não.
E, é claro, gosto de imaginar que, um dia, tudo se tornará vidro prateado.
Lay down
Your sweet and weary head
Night is falling
You’ve come to journey's end
Sleep now
And dream of the ones who came before
They are calling
From across the distant shore
Why do you weep?
What are these tears upon your face?
Soon you will see
All of your fears will pass away
Safe in my arms
You're only sleeping
What can you see
On the horizon?
Why do the white gulls call?
Across the sea
A pale moon rises
The ships have come to carry you home
And all will turn
To silver glass
A light on the water
All souls pass
Hope fades
Into the world of night
Through shadows falling
Out of memory and time
Don't say we have come now to the end
White shores are calling
You and I will meet again
And you'll be here in my arms
Just sleeping
What can you see
On the horizon?
Why do the white gulls call?
Across the sea
A pale moon rises
The ships have come to carry you home
And all will turn
To silver glass
A light on the water
Grey ships pass
Into the West
sábado, 15 de maio de 2010
About disappointments
You will always get disappointed. Frustration is part of life, and – let’s face it sincerely – there’s no happy ending. It’s hard for one to go through life without suffering. You will also have moments of joy. Both of them will vanish away, which is frustrating and cheering at the same time.
Making choices would be easier if you could know what’s gonna happen next, but you don’t know. No one knows. Sometimes, you will make the right decision, sometimes you won’t. There are situations when mistakes lead to right decisions, and others when mistakes are nothing but mistakes. Get used to the fact that you are rolling dice against chaos.
Everybody wants different things, but no one will get everything that he or she always wanted.
People are not perfect, and the decisions that they make are based on their particular quandaries. They are not characters from a novel, whose actions will lead to a planned end. They make mistakes, and, eventually, someone will disappoint you.
You are the character. However, one day you will no longer be the character of the history of your life, and you will become only a reader. On this day, everything will be a plot, and, after the heat of each moment, all that will last is a collection of meaningful moments. The doubts and the bitterness will be lost in the middle. Maybe things will make sense at this point, but maybe there’s no sense at all. And then, you will look back, and see what you did, and what you could have done.
Anyway, the end is not planned. (G.P.)
Making choices would be easier if you could know what’s gonna happen next, but you don’t know. No one knows. Sometimes, you will make the right decision, sometimes you won’t. There are situations when mistakes lead to right decisions, and others when mistakes are nothing but mistakes. Get used to the fact that you are rolling dice against chaos.
Everybody wants different things, but no one will get everything that he or she always wanted.
People are not perfect, and the decisions that they make are based on their particular quandaries. They are not characters from a novel, whose actions will lead to a planned end. They make mistakes, and, eventually, someone will disappoint you.
You are the character. However, one day you will no longer be the character of the history of your life, and you will become only a reader. On this day, everything will be a plot, and, after the heat of each moment, all that will last is a collection of meaningful moments. The doubts and the bitterness will be lost in the middle. Maybe things will make sense at this point, but maybe there’s no sense at all. And then, you will look back, and see what you did, and what you could have done.
Anyway, the end is not planned. (G.P.)
Sobre desapontamentos
Você sempre irá se desapontar. A frustração faz parte da vida, e – vamos encarar com sinceridade – nenhum final é feliz. Dificilmente você passará pela vida sem sofrer. Você também terá momentos de alegria. Ambos irão passar, o que é, ao mesmo tempo, frustrante e animador.
Fazer escolhas seria mais fácil se você soubesse o que irá acontecer em seguida, mas você não sabe. Ninguém sabe. Às vezes, você irá acertar, às vezes não. Há situações em que erros levam a acertos, e outras em que erros são apenas erros. Acostume-se com o fato de que você está jogando dados contra o caos.
Todos querem coisas diferentes, mas ninguém conseguirá tudo o que sempre quis.
As pessoas não são perfeitas e as decisões que elas tomam são baseadas em seus dilemas particulares. Elas não são personagens de um romance, cujas ações culminam num final planejado. Elas cometem erros e, eventualmente, alguém irá desapontá-lo.
Você é o personagem. Todavia, um dia você deixará de ser o personagem da história da sua vida e se tornará apenas um leitor. Nesse dia, tudo será apenas um enredo e, passado o calor de cada momento, só sobrará uma coleção de acontecimentos importantes. As dúvidas e amarguras ficarão perdidas no meio. Talvez as coisas façam sentido nesse ponto, mas talvez simplesmente não haja nenhum. E, então, você olhará para trás e verá o que você fez e o que poderia ter feito.
De qualquer forma, o final não está planejado. (G.P.)
Fazer escolhas seria mais fácil se você soubesse o que irá acontecer em seguida, mas você não sabe. Ninguém sabe. Às vezes, você irá acertar, às vezes não. Há situações em que erros levam a acertos, e outras em que erros são apenas erros. Acostume-se com o fato de que você está jogando dados contra o caos.
Todos querem coisas diferentes, mas ninguém conseguirá tudo o que sempre quis.
As pessoas não são perfeitas e as decisões que elas tomam são baseadas em seus dilemas particulares. Elas não são personagens de um romance, cujas ações culminam num final planejado. Elas cometem erros e, eventualmente, alguém irá desapontá-lo.
Você é o personagem. Todavia, um dia você deixará de ser o personagem da história da sua vida e se tornará apenas um leitor. Nesse dia, tudo será apenas um enredo e, passado o calor de cada momento, só sobrará uma coleção de acontecimentos importantes. As dúvidas e amarguras ficarão perdidas no meio. Talvez as coisas façam sentido nesse ponto, mas talvez simplesmente não haja nenhum. E, então, você olhará para trás e verá o que você fez e o que poderia ter feito.
De qualquer forma, o final não está planejado. (G.P.)
quarta-feira, 5 de maio de 2010
Sobre o momento certo
A linha do Equador tem quarenta mil quilômetros de comprimento.
Você pode viver muito, mas não passará de cem anos.
Durante a sua vida, você piscará algumas centenas de milhões de vezes.
São mais de seis bilhões de pessoas para ver entre uma e outra piscada. (G.P.)
Você pode viver muito, mas não passará de cem anos.
Durante a sua vida, você piscará algumas centenas de milhões de vezes.
São mais de seis bilhões de pessoas para ver entre uma e outra piscada. (G.P.)
segunda-feira, 3 de maio de 2010
The Station
There are many people who arrive at the station. And they’re all alone. Sometimes they arrive in pairs, sets of ten, dozens… Millions every day. But they are all alone. The solitude follows them closely, gazing from the shadows. And so the feeling of missing… It’s the most delicate of the human feelings, but one of the most painful. And here, in the station, it’s more present, getting heavier over every shoulder like one ton of lead, like one of that very salty tears. Sometimes, the feeling of missing is the solitude, sometimes the solitude is the feeling of missing.
The people who arrive at the station are of many ages. Most of them bring the wrinkles like trophies, deep furrows of wisdom that time engraved like a craftsman engraving wood. But there are the ones who arrive young. Some are children in tender ages, that could bring over their backs the wings of angels – and who knows if they won’t? There are also the ones who are carrying warm kisses of love, and these are the saddest of all.
The people who arrive at the station have many faces. Some of them arrive sad. Others, curious. Many of them make prayers, the last hopes of the human kind. In the station, everyone is safe, but there are still the ones who look scared. There are even the resolute, the only ones who bought tickets, which carry the sad suicidal decisions. And there are the serious and wistful ones, who keep thinking about the meaning of everything. But some of them – few, actually – smile from the depths of their hearts, maybe because they understood the truth that they had always looked for, or because they just discovered that, at the end, it was all a big and funny joke.
Not one of the many people that arrive at the station carries heavy luggage or suitcases. They don’t carry anything, actually. But, at the same time, they carry everything. They carry themselves, which is everything they have now and everything they always had. None of them knows where are they carrying it to, but some of them keep trying to guess during the interval of one prayer or another.
There are many people of many colors, races and social classes, many speakers of many languages, many believers of many religions. At the station, they are all the same. They always were, but just now they realized it. People say that you just see what’s important when it’s too late.
When it’s time, all of them enter the train.
It’s the last metaphor. It’s the last euphemism. (G.P)
The people who arrive at the station are of many ages. Most of them bring the wrinkles like trophies, deep furrows of wisdom that time engraved like a craftsman engraving wood. But there are the ones who arrive young. Some are children in tender ages, that could bring over their backs the wings of angels – and who knows if they won’t? There are also the ones who are carrying warm kisses of love, and these are the saddest of all.
The people who arrive at the station have many faces. Some of them arrive sad. Others, curious. Many of them make prayers, the last hopes of the human kind. In the station, everyone is safe, but there are still the ones who look scared. There are even the resolute, the only ones who bought tickets, which carry the sad suicidal decisions. And there are the serious and wistful ones, who keep thinking about the meaning of everything. But some of them – few, actually – smile from the depths of their hearts, maybe because they understood the truth that they had always looked for, or because they just discovered that, at the end, it was all a big and funny joke.
Not one of the many people that arrive at the station carries heavy luggage or suitcases. They don’t carry anything, actually. But, at the same time, they carry everything. They carry themselves, which is everything they have now and everything they always had. None of them knows where are they carrying it to, but some of them keep trying to guess during the interval of one prayer or another.
There are many people of many colors, races and social classes, many speakers of many languages, many believers of many religions. At the station, they are all the same. They always were, but just now they realized it. People say that you just see what’s important when it’s too late.
When it’s time, all of them enter the train.
It’s the last metaphor. It’s the last euphemism. (G.P)
A Estação
São muitos os que chegam à estação. E todos estão sozinhos. Às vezes chegam em pares, em dezenas, dúzias, grosas... Milhões todos os dias. Mas todos estão sozinhos. A solidão os acompanha de perto, fitando-os nas sombras. E também a saudade... É a mais sutil das particularidades humanas, mas uma das mais dolorosas. E aqui, na estação, ela se faz mais presente, pesando em cada ombro como uma tonelada de chumbo, como uma lágrima daquelas bem salgadas. Às vezes a saudade é a solidão, às vezes a solidão é a saudade.
São muitas as idades dos muitos que chegam à estação. A maioria traz consigo as rugas como troféus, profundos sulcos de sabedoria que o tempo talhou como um artesão molda sua madeira. Mas há aqueles que chegam jovens. Alguns são crianças em tenra idade, que poderiam muito bem levar nas costas as asas dos anjos – e quem sabe não levarão? Há também aqueles que carregam beijos de amor ainda mornos, e esses são de todos os mais tristes.
São muitos os rostos dos muitos que chegam à estação. Alguns chegam tristonhos. Alguns, curiosos. Muitos entoam preces, as últimas esperanças do ser humano. Apesar de na estação estarem todos incólumes, muitos parecem amedrontados. Há também aqueles resolutos, os únicos que compraram tickets, que carregam a triste obstinação dos suicidas. Há os desesperados e aqueles que parecem nem perceber o que aconteceu. E há os taciturnos, pensativos, que filosofam sobre o sentido de todas as coisas. Mas alguns – poucos, é verdade – sorriem do fundo do coração, talvez porque tenham finalmente entendido a verdade que sempre buscaram, ou descoberto que, no final das contas, tudo não passou de uma grande e divertida piada.
Nenhum dos muitos que chegam à estação traz malas pesadas. Nem mesmo bagagem de mão eles levam. Nada, na verdade. Mas, ao mesmo tempo, levam tudo. Levam eles mesmos, que é tudo o que têm agora e tudo o que sempre tiveram. Nenhum deles sabe para onde estão levando, apesar de alguns continuarem conjecturando em meio a uma e outra prece.
Há muitos de muitas cores, muitos de muitas raças, muitos de muitas classes sociais, muitos falantes de muitas línguas, muitos crentes de muitas religiões. Na estação, são todos iguais. Eles sempre foram, mas talvez só agora se dêem conta. Realmente dizem que as pessoas só entendem essas coisas quando é tarde demais.
Quando chega a hora, todos sobem no trem.
É a última metáfora. É o último eufemismo. (G.P.)
São muitas as idades dos muitos que chegam à estação. A maioria traz consigo as rugas como troféus, profundos sulcos de sabedoria que o tempo talhou como um artesão molda sua madeira. Mas há aqueles que chegam jovens. Alguns são crianças em tenra idade, que poderiam muito bem levar nas costas as asas dos anjos – e quem sabe não levarão? Há também aqueles que carregam beijos de amor ainda mornos, e esses são de todos os mais tristes.
São muitos os rostos dos muitos que chegam à estação. Alguns chegam tristonhos. Alguns, curiosos. Muitos entoam preces, as últimas esperanças do ser humano. Apesar de na estação estarem todos incólumes, muitos parecem amedrontados. Há também aqueles resolutos, os únicos que compraram tickets, que carregam a triste obstinação dos suicidas. Há os desesperados e aqueles que parecem nem perceber o que aconteceu. E há os taciturnos, pensativos, que filosofam sobre o sentido de todas as coisas. Mas alguns – poucos, é verdade – sorriem do fundo do coração, talvez porque tenham finalmente entendido a verdade que sempre buscaram, ou descoberto que, no final das contas, tudo não passou de uma grande e divertida piada.
Nenhum dos muitos que chegam à estação traz malas pesadas. Nem mesmo bagagem de mão eles levam. Nada, na verdade. Mas, ao mesmo tempo, levam tudo. Levam eles mesmos, que é tudo o que têm agora e tudo o que sempre tiveram. Nenhum deles sabe para onde estão levando, apesar de alguns continuarem conjecturando em meio a uma e outra prece.
Há muitos de muitas cores, muitos de muitas raças, muitos de muitas classes sociais, muitos falantes de muitas línguas, muitos crentes de muitas religiões. Na estação, são todos iguais. Eles sempre foram, mas talvez só agora se dêem conta. Realmente dizem que as pessoas só entendem essas coisas quando é tarde demais.
Quando chega a hora, todos sobem no trem.
É a última metáfora. É o último eufemismo. (G.P.)
domingo, 25 de abril de 2010
Crítica: Alice no País das Maravilhas
Se você não assistiu ao filme, esta crítica pode conter spoilers.
Lançado no Brasil quase dois meses depois de sua première, o filme Alice no País das Maravilhas, da Disney, é aquela história que todos conhecem: a garota cai no buraco do coelho e encontra um mundo completamente insano do outro lado. Parecia, portanto, um material compatível à insanidade genial do diretor Tim Burton.
Lançado no Brasil quase dois meses depois de sua première, o filme Alice no País das Maravilhas, da Disney, é aquela história que todos conhecem: a garota cai no buraco do coelho e encontra um mundo completamente insano do outro lado. Parecia, portanto, um material compatível à insanidade genial do diretor Tim Burton.
Balloon Boy, um dos personagens excêntricos criados
pelo diretor Tim Burton, em exposição no MoMA
(Museum of Modern Art of New York)
pelo diretor Tim Burton, em exposição no MoMA
(Museum of Modern Art of New York)
Antes de qualquer coisa, Alice no País das Maravilhas trata da busca pela identidade, que é um tema recorrente nessa e em outras obras de Burton; a maiorias de seus personagens têm um quê de desajustados nos mundos em que vivem, seja o garoto com mãos de tesoura (Edward Scissorhands, 1990) ou o esqueleto que quer recriar o Natal (Nightmare before Christmas, 1993).
Porém, neste filme em particular, o conceito que mais chama a atenção é a busca por uma identidade em meio à hipocrisia da sociedade, e eu não estou falando apenas sobre Alice (interpretada por Mia Wasikowska). A cena em que o Chapeleiro Maluco (Johny Depp) desmascara a corte da Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter), formada por impostores que encenam deformidades para fazer a cabeçorra da tirana parecer menos absurda, é uma afronta à hipocrisia. Todavia, a ironia é que a Rainha Branca (Anne Hathaway), ainda que admirada por todos, não é menos hipócrita. Ela passa boa parte das cenas em que aparece desfilando com os modismos de uma princesa e alardeando que não matará uma criatura sequer por ser uma atitude que vai contra seus princípios. Passar a tarefa a outra pessoa, porém, parece ser completamente aceitável para ela, uma vez que Alice é incumbida de matar o dragão. Ou seja, hipocrisia e demagogia. Isso faz a Rainha Branca mais humana do que os personagens supostamente insanos, como a Rainha Vermelha ou a Lebre de Março, mas, ao mesmo tempo, menos digna de apreço. O fato de ela ser assim representada pelo diretor talvez seja uma mensagem velada que Burton e a roteirista Linda Woolverton (surpreendentemente, a mesma de O Rei Leão e A Bela e a Fera) nos quiseram passar.
Alice, por sua vez, também é uma hipócrita que chega ao “País das Maravilhas” dizendo que “não mata”, mas acaba matando o dragão no final após ser manipulada pela Rainha Branca. Como recompensa, ela ganha o sangue da criatura que abateu, o que ao meu ver é uma metáfora muito clara da mancha que perdura sobre o algoz de qualquer ser vivente. A partir daquele momento, ela tem nas mãos o sangue de quem matou.
O Chapeleiro, por sua vez, é o único personagem que se mantém crível em sua loucura. Assim como o Gato Risonho (voz de Stephen Fry), é um dos poucos personagens que não se mostra hipócrita. Também é o único personagem com o qual realmente nos importamos como plateia. A cena em que ele pergunta a Alice se ele é real ou não, por exemplo, nos diz muito sobre sua personalidade e sobre a própria condição humana (assunto sobre o qual eu comentei em outro post): afinal o que é ser “de verdade”?
No caso de Alice, supõe-se que é no mundo surreal que ela vai encontrar sua identidade. Eu, particularmente, não acredito que seja isso o que acontece. Assim como a Wendy de Peter Pan, ela não pode viver sua fantasia para sempre. Em seu mundo imaginário, ela continuaria sendo uma deslocada. Porém, ao voltar ao mundo real e dizer as verdades cruéis que todos não gostariam de ouvir, ela torna-se sócia do ex-sócio de seu falecido pai e ambiciona expandir os negócios ao Oriente. Na época em que a história se passa, Hong Kong ainda está sob o comando da Inglaterra e a China apresenta-se como um novo mundo a ser explorado. Mais do que isso: é um mundo que está ao alcance de Alice. (G.P.)
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